Crer na sustentabilidade restaura todos os meus sonhos de mundo –
A genialidade enigmática do poeta Fernando Pessoa, vista através dos versos de “Tabacaria”, inspira-me na compreensão de um tema importante para a humanidade e que se insere de modo irreversível na agenda econômica. Com a devida licença do ilustre leitor e dileto amigo José Paulo Cavalcanti (nosso especialista do mito lusitano), entre o “não ser nada” e o “ter todos os sonhos do mundo”, extraio o meu “tudo a ver”, justo para o que quero expor aqui no texto.
Com base nisso, o fato que me motiva hoje está na essência do relatório do “Observatório FEBRABAN” de setembro, que recebi do também amigo e leitor, o cientista político Antônio Lavareda. O tema tratado no documento diz respeito à sustentabilidade. Assim, o tamanho da minha surpresa com as informações conclusivas que li no relatório está perfeitamente relacionada com o “tudo a ver” da inspiração que busquei na poesia de Pessoa. Por isso, restauro em mim a crença de que “todos os sonhos do mundo” ainda são cabíveis. Fiquei, rigorosamente, “mezzo a mezzo”. Metade crente na “utopia realista” de Bregman. Metade como um “realista esperancoso”, como se autodefinia o mestre Ariano
Foi mesmo um registro animador constatar que aquele trabalho de pesquisa tenha mostrado boas novas. Sua conclusão de que o tema da sustentabilidade “é quase uma unanimidade e que, para cerca da metade, trata-se de uma responsabilidade que deve ser compartilhada por todos os setores da sociedade”, representa um avanço. Afinal, destaco aqui a consistência dessa pesquisa, embasada numa amostragem de 3 mil entrevistados, respeitada a representatividade da população adulta brasileira de 18 anos e mais, das 5 regiões, com cotas definidas de localidade, sexo, idade, além de níveis de instrução e renda. Enfim, o importante foi considerar que a população está bem familiarizada com o tema, mesmo que ainda dispersa no entendimento amplo, pois este é dependente do conceito ESG (Environment, Social and Governance). Ou seja, entre as questões ambientais, sociais e de governança, a população se mostrou mais identificada – e até engajada – com os pilares do vetor ambiental, do que mesmo os aspectos relacionados com as temáticas sociais e de governança.
A propósito de se relevar aqui o conceito ESG, esclareça-se que se trata de uma sigla que exprime as boas práticas empresariais naquelas três áreas. Isso é tão importante que o assunto costuma ser assimilado como uma obrigação para muitas corporações, diante dos novos padrões de competitividade impostos por tais regras. De fato, há quem já avalie que a adoção de práticas sustentáveis confirma uma substancial melhoria nos performances.
Claro que a aposta no conceito ESG envolve um esforço integrado, mas cabem aqui os registros dessas boas práticas em cada setor. Na questão ambiental, as empresas precisam mostrar como reduzem seus impactos no meio ambiente, assim como, lidam com suas preocupações em torno do aquecimento global, da emissão de carbono. da efetividade energética e da gestão dos resíduos. No campo social, o tratamento das relações humanas com funcionários, clientes e fornecedores exige compromissos com aspectos como: inclusão, diversidade, treinamento, relações de trabalho, direitos humanos, relações comunitárias, soberania dos clientes e privacidade no uso dos dados. Por fim, no âmbito da governança, cabem práticas que considerem pontos como: diversidade na administração, política de remuneração, ética e transparência, canais de denúncia e comitês de compliance com auditorias e planejamento fiscal, contábil e financeiro.
A luz está acesa. Se já sabia do compromisso das empresas com a sustentabilidade pela prática do conceito ESG, ver agora os resultados da pesquisa, serviu-me como alento. Algo capaz de renovar a crença por uma utopia possível.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco