Os mercados de trabalho e suas armadilhas conceituais –
Na primeira metade dos anos 80, dois temas de interesse tomavam conta de um jovem economista, ainda incipiente no seu mundo acadêmico e profissional. De um lado, a consagração no país de um ciclo de baixo crescimento (recessão econômica), agravado pelas pressões externas (preços do petróleo e juros da dívida) e por um inédito descontrole inflacionário. Do outro, a corroboração de uma crise social, que passou a ser analisada pelas novas estatísticas de desemprego urbano. Em resumo: o interessado era este escriba no seu despertar profissional e o objeto de interesse era um país caótico, que se reencontrava com sua plenitude democrática, embora diante de uma economia caótica.
Nesse tipo de situação, lembro bem que o desemprego me trouxe um comprometimento maior como objeto de estudo e pesquisa. Foi daí que me veio o interesse por algum instrumento de proteção ao trabalhador, diante de uma realidade social inédita. Nesse sentido, o seguro-desemprego terminou por ser meu foco, para o qual o interesse pelas novas pesquisas do IBGE à época e conteúdos correlatos passaram a ser temas da minha rotina. A boa coincidência foi exatamente o lançamento da Pesquisa Mensal do Emprego (PME) em 1980, metodologicamente ajustada em 1982, 88 e 93. Uma convergência favorável por existir um recurso estatístico de mensuração, justo no período onde a recessão foi bem acentuada. 1983 foi o fundo do poço.
Vale lembrar aqui outros aspectos daquela primeira metade da década, no qual já cabiam algumas limitações conceituais. Em primeiro, que apesar do ineditismo de se medir a desocupação dentro da formalidade nas relações de trabalho e como consequência de uma retração oriunda do núcleo dinâmico da economia, isso não foi tudo para um mercado de trabalho tão heterogêneo. Ou seja, a desocupação seria algo bem maior do que o ocorrido dentro do chamado segmento formal.
Ademais, um outro aspecto por considerar, trata do fato dessa pesquisa se limitar apenas as seis maiores regiões metropolitanas do país. É evidente que a estimativas das taxas estavam bem traduzidas, pela expressão econômica dessas áreas e pelo peso da formalidade. Acontece que outras modos de desocupação estavam desalinhados com a pesquisa, da informalidade das relações até o nível do chamado desalento. Neste particular, quando o trabalhador em idade ativa, desiste da procura por empregos.
Questionamentos direcionados para uma revisão das amostragens, das metodologias e dos conceitos levaram o IBGE a desistir da PME e dai apostar na base PNAD como referencial para as novas pesquisas sobre o desemprego. Assim, desde 2002, alicerçado em pesquisa mensal nos últimos três meses, com a ampliação dos vieses metodológicos e conceituais sobre a dimensão de uma desocupação diversa, a taxa de desemprego mostrou outra cara. Apesar desses últimos avanços, as “armadilhas” inerentes ao tema persistem, de tal sorte que qualquer maneira simplista de se olhar o fenômeno social da desocupação, isso pode levar a erros de avaliação.
Uma situação clássica que pode derivar dessa visão estreita é a maneira pela qual a classe política enxerga o problema. Demora-se para aceitar o que já se mostra. Comemoram-se números que nem sempre traduzem a realidade. Como mero exemplo cito o caso de uma comemoração na redução da taxa. Isso não implica numa conclusão imediata de que o desemprego caiu. Pode até ter aumentado, se outros valores da desocupação não puderem ser contidos. Essa complexidade também faz sentido quando muitos crêem que os efeitos cíclicos da economia impõem consequências imediatas. Também, nem sempre é assim. Afinal, no ciclo recessivo, a variável “empregos” costuma ser a última a ser ajustada. Portanto, as reações nos distintos mercados não combina com precipitações que apenas servem ao ego político
Nessa breve exposição, penso que o leitor já pode extrair o mesmo que consigo enxergar, quando assisto aos devaneios de políticos e governantes, comemorando na hora errada números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) ou acreditando na sustentação de taxas menores quando a recessão representa fato consumado.
É preciso cuidado porque o mau entendimento dos mercados de trabalho se espelha em armadilhas.
Alfredo Bertini – Economista e colunista da Folha de Pernambuco