Primeiro ensaio de “Fake Marketing” e a mitomania na educação –

Nos textos desta semana, trarei à coluna dois breves ensaios sobre uma espécie de “fake marketing”, que resumem a patologia das atuais políticas públicas. A escrita de hoje é sobre um tema que tenho recorrido com insistência obsessiva – a educação. Para sexta-feira, reservo minhas observações numa visão similar, só que direcionada à forma pela qual a politica econômica tem sido conduzida. Em ambas situações, “cases” da mais pura hipocrisia na política.

Já tive a oportunidade de dizer neste espaço, que nada exemplifica melhor a distância entre discurso e prática, do que os resultados alcançados pela educação brasileira. Campanhas eleitorais, gestões ideologicamente distintas, teses acadêmicas, militâncias exacerbadas, todas já foram traduzidas em prioridades e obsessões, muito embora jamais cumpridas na plenitude.

Longe de qualquer tese conspiracionista que possa ainda estar em voga, como se existisse um pacto elitista em nome da ignorância da sociedade, parece-me óbvio que falhas estruturais explicam o tamanho desse naufrágio. Dos interesses de um corporativismo atávico, promovido por privilégios  aparentemente  intransponíveis, passando por questões como a imprevidência demográfica da segunda metade do século anterior, tais situações só servem para corroborar o desperdício e a desigualdade. Um diagnóstico simples, mas que representa uma solução complexa. E tais problemas seguem firmes no atual momento, tanto quanto a mitomania reinante do governo, em reagir de modo pior que a mesmice de sempre.

Tenho aqui dois exemplos atuais e distintos, que bem demonstram a incapacidade de se reagir ao colapso educacional. O primeiro, no bojo da lembrança do dia da alfabetização (14/11), destaco uma matéria jornalística, na qual uma mulher de 50 anos comemorava sua alfabetização. A segunda, os dois capítulos do que posso chamar aqui de uma série sobre o fiasco da gestão no INEP: a saída de servidores e a intromissão no conteúdo das provas do ENEM.

Sobre aquela alfabetização cinquentenária, o motivo da alegria pessoal esconde um desgosto nacional de se contar ainda com cidadãos analfabetos em pleno século XXI. Uma face do naufrágio educacional que ainda se abraça com outros desastres sociais, como a ausência de saneamento básico, a desigualdade, a miséria e até a fome. Insiste-se na compulsão por negar e mentir sobre essa realidade, levando a política a fazer populismo amparado em maquiagens fiscais, acordos em cima de emendas secretas e outras atitudes não menos obscenas.

No INEP, a julgar pelas dezenas de servidores que pediram afastamento dos seus cargos, revelam-se as impropriedades intervencionistas em nome de uma supremacia ideológica.  Não bastasse a realização de um inédito ENEM concenteador, que terá menos inscritos e a consagração de um “apartheid” social (menos alunos da rede pública, na sua maioria pretos e pobres), contam-se agora denúncias de ingerência nos conteúdos das provas. Em suma, sem que haja respeito ao contraditório e habilidade para se conduzir negociações, atitudes autoritárias só servem para agravar o já precário quadro da educação brasileira.

Será que toda raiva sobre aquele resultado da alfabetização tardia e esse espírito interventor fazem sentido, só porque ambos mantêm sintonia com Paulo Freire (o método da alfabetizada) e Anísio Teixeira (patrono que dá nome ao INEP)? O danado é que a economia brasileira ainda patina à espera de que algum dia a nossa educação deixe de ser o brinquedo predileto dos mitomaniacos.

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista e colunista da Folha de Pernambuco

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