Luzes de Experiências Ajudam a Discernir Conquistas e Perplexidades –

“Jovens, envelheçam rapidamente”, pois todos têm “os defeitos dos adultos e mais um: a inexperiência”. Pelas aspas, claro que tal reflexão não é minha. Quis iniciar este artigo reunindo duas frases do genial Nelson Rodrigues, que refletem bem o valor da experiência de vida. E como um razoável “rodrigueano” que julgo ser, pretendo simplesmente relatar a satisfação que tive pela leitura recente de dois livros, que aqui sugiro para os que me lêem. A experiência está no âmago das obras.

Nesses tempos difíceis, de desapego esquisito por ideias livres, sensatas e equilibradas, um livro que sirva de contraponto, para mim é sempre bem-vindo. Ainda mais quando os textos vêm de legítimos intelectuais, daqueles que, pelas suas experiências, têm densidade para dar relevo à nossa história. Afinal, sabem discernir sobre as conquistas e perplexidades. Num país, que, como diz Gabeira no prefácio de um desses livros, “que ainda não se completou, seja na abolição, seja na república”.

Bem, o primeiro desses livros que trago à baila reproduz uma conversa entre autor e entrevistado, ambos intelectuais de expressão. Refiro-me ao livro “Fotos de Conversa”, de Cristóvam Buarque, no qual o autor brinda seu leitor através da narrativa de uma imperdível troca de ideias com Fernando Henrique Cardoso. Mais do que o registro intelectual em si, uma referência sobre duas personalidades com experiências valiosas na cena política brasileira. Em muitas ocasiões, até divergentes. No entanto, equilibrados na análise temporal das suas ideias, estas por mim acolhidas por meio de um olhar mais etéreo sobre meu entendimento do que enxergam do Brasil atual.

Ao exprimir toda minha dileção pelo livro, cabe-me ainda dizer que o título deste artigo é um sutil excerto do belo prefácio de Fernando Gabeira. Nas suas entrelinhas, encontrei as duas palavras mágicas que resumem a conversa entre Cristóvam e FHC: conquistas e perplexidades. Assim, não só enalteço o preparo que Gabeira deu à leitura, como reforço a visão intelectual e política de uma dupla que tem estirpe para falar sobre esse tal “país incompleto” da visão gabeiriana.

De fato, mesmo diante de inegáveis avanços, o Brasil ainda revela tantos percalços, suficientes para essa discussão sobre as “obras inconclusas”, seja da abolição ou da república. No primeiro caso, pelo racismo estrutural onipresente. No segundo, pelo histórico de instabilidades políticas. Enfim, faz sentido esse panorama das conquistas promovidas pelas gerações anteriores, sem que se perca de vista as perplexidades de situações que hoje são desafiadoras para as novas e futuras gerações. Essa foi a percepção que consegui extrair da obra de Cristóvam.

O outro livro que me proporcionou uma agradável leitura é o recem-lançado trabalho do economista Edmar Bacha, “No País dos Contrastes – Memórias da Infância ao Plano Real”. Na minha trajetória profissional, o autor representa uma das minhas referências, seja pela sua densidade técnica de indiscutível significado para o pensamento econômico brasileiro, como pela sua maneira leve e objetiva de escrever, qualidade essa que reforçou sua “imortalidade” de literato junto à ABL. Como se trata de uma obra mista, com a essência de uma autobiografia e um testemunho sobre sua intensa vida profissional, sinto-me compelido a reservar o espaço da minha coluna no caderno de economia desta Folha, para brindar o leitor também de conquistas (como o êxito do plano real) e perplexidades (como o fracasso do plano cruzado) traduzidas do livro. Valerá à pena, porque essa nova obra de Bacha (mais um exemplo das reflexões impostas pela solitude da pandemia), trouxe-me relatos primorosos.

Por fim, não poderia deixar de enaltecer um traço comum aos dois livros: a longeva competência e lucidez de Fernando Henrique Cardoso. Partícipe comum aos livros (no de Bacha, como autor do prefácio), é indiscutível seu referencial de intelectual e político, assim já inserido e consagrado na condição de personalidade da história deste país.

Posso concluir que esse final de semana dos dias da alfabetização e da república, terminou por ser especial pelas leituras desses brasileiros ilustres, que renovaram minha crença no futuro, mesmo que seja por um fio de esperança. Que valha o meu obrigado para Cristóvam, Bacha e Fernando Henrique. Se o Brasil fosse cúmplice do equilíbrio das experiências passadas e das ideias recentes desses líderes, quem sabe a travessia entre o incompleto e o minimamente ideal não se mostrasse mais curta.

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista e colunista da Folha de Pernambuco

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