Qual a Razão do Receio Sobre o Que os Outros Pensam, Se o Ofício do Pensar Costuma Ser Raro? –
O título acima expressa algo parecido ao que li no para-choque de um caminhão, na mais recente viagem que fiz à cidade do Natal, frequente “ponte rodoviária” dos últimos anos. Gravei na memória as linhas condutoras da frase, não só pelo que dela se pode refletir, filosoficamente ou não. É que na mesma é perceptível para mim alguma sintonia com fatos do próprio cotidiano, em dose suficiente para escrever sobre algumas conexões.
Pois bem, encontrei o fato propício para isso. E algo que se revela como um fator de enorme grandeza para minha história de vida. Refiro-me ao Cine PE, uma ideia transformada em projeto e que me expôs ainda mais ao público, na quase metade destes 60 anos de vida. Afinal, são 25 edições ininterruptas e três anos (1994/97) para tirar do papel a primeira delas. Assim, como tudo na vida, uma história de encantos e desencantos, erros e acertos, mas embalada pela resiliência de quem crê no trabalho, adapta-se às circunstâncias e se compromete a colher os frutos. Acima de tudo, com ética e dignidade. Um desafio que moldei às minhas origens profissionais de economista, porque sempre encarei o projeto como um simples referencial do que encaro como economia, nos ambientes do audiovisual e, por extensão, da cultura.
Nesse ritmo de análise, digo aqui que o projeto de um festival de cinema para o Recife foi concebido noutro festival (Gramado), em 1994, ocasião em que fui despertado pelo fundador de lá e uma apresentadora de TV. Embora o cinema brasileiro à época estivesse nos primeiros passos de uma retomada que já se desenhava de modo firme, aliei-me também ao pioneirismo histórico e à criatividade autoral do audiovisual pernambucano, para apostar na ideia. Foram três anos para tornar o projeto exequível. O roteiro consistiu em ver como funcionava (o que explica as idas ao festival de Gramado), montar o projeto comercial, enquadrar o mesmo nos rituais burocráticos das esferas públicas e correr atrás de patrocínios. Vale dizer que, nos três itens finais, uma luta natural que se renova de modo repetitivo, numa rotina que domina até hoje o cotidiano de qualquer produtor cultural.
Não bastasse essa frequência incômoda de desgastes, coube a mim, Sandra Bertini e uma equipe comprometida o enfrentamento de questões “política e eticamente incorretas”, inconsistentes, que agregaram mais valor à desconfiança pelo nosso esforço. São aspectos que deveriam ser irrelevados – e até dizimados – diante de um ambiente cultural tão diversificado. Na história, ficaram os registros comuns de: preconceitos sobre nossas heranças profissionais e até a localização regional; as “forçadas de barra” por conflitos ideológicos desnecessários; e, por fim, os casos dos que jogam contra para desgastar o trabalho e o mérito decorrentes e daí criar embaraços gerais (burocráticos, jurídicos e assemelhados). Ou seja, tudo que possa forçar uma reação nossa, como resposta ao que os outros pensam do que produzimos e oferecemos para a sociedade. Pela longevidade e pelo que o projeto gerou de resultados, tudo são desgastes que desencantam, mas que não foram capazes de fazer do nosso ânimo algum sentido que nos ajude a conjugar tolerância com resiliência.
Nesse prisma, é evidente que chegar aqui com tantas edições do festival e à beira dos seus efetivos 25 anos, representam muito para todos que estiveram (e ainda estão) conosco na caminhada. Até que desejávamos comemorar com mais força, para fazer jus aos aspectos que dão orgulho: a) de ser um marco nacional que mobilizou multidões; b) de sempre ter contado com o reconhecimento da mídia local e nacional; e, c) de ter conquistado o respaldo de muita gente do próprio meio audiovisual, que apostou nos nossos valores desde o inicio. Se todo ânimo assim persistir, em 2022 faremos dessa luta conjunta os 25 anos que sejam dignos do projeto.
Nesse balanço de encantos e desencantos, dado também este ano marcante de 2021, ficou no ar uma leve frustração do pouco reconhecimento diante de tantas conquistas. Essa trajetória do Cine PE deu sua contribuição à cultura e ao audiovisual, sobretudo, no que concerne à projeção da imagem do Recife e de Pernambuco. Digamos que seja mais oportuno debitar a timidez do reconhecimento das 25 edições, ao “pacote” dos tempos difíceis que todos têm passado. Como disse Bob Marley: “é melhor atirar-se em luta, em busca por dias melhores do que permanecer estático, como os pobres de espírito, que não lutaram mas também não venceram.”
Vida longa ao Cine PE
Alfredo Bertini – Economista e colunista da Folha de Pernambuco