Um justo réquiem para Sayad: exemplo de economista e humanista –
Os fatos econômicos recentes e a inspiração que possa ocorrer por algum tema e que precisa ser logo aproveitada, na maioria das vezes, termina por retirar de linha operacional algum planejamento de texto. Assim, com dois meses de injusto atraso, cometido pela minhas disposições imediatistas ou inspiradoras, trago à cena uma homenagem póstuma, na forma de um merecido réquiem. Portanto, peço ao leitor desculpas, não só por essa falha particular, como pela mudança de tom no conteúdo. Meu desejo é fazer justiça a quem merece todo mérito, dentro do meu ofício de economista.
De fato, os 38 anos de ausência do meu pai ontem, fez-me lembrar do sentido subitâneo da morte. E não foi por mera coincidência episódica. À época (1983), estava em pleno cumprimento dos meus deveres como estudante do mestrado, diante de obrigação de fazer uma prova de estatística, seguir viagem para um congresso de economia e ler um artigo sobre inflação. Justo nesta última atribuição estava o vínculo que me causou a lembrança por recuperar a intenção por esta homenagem, mesmo com o atraso. Tal texto era simplesmente do Professor da USP, João Sayad, falecido em setembro passado.
Assim, dessa vez, fiz o contrário e pus à frente a homenagem que já deveria ter feito. Ficou para a próxima sexta a ideia de um texto sobre a situação do Nordeste diante das circunstâncias da COP 26. Aliás, uma atenção que darei a um amigo leitor, que me provocou nesse sentido. Só que agora, a hora e a vez é de Sayad.
Pois bem, não poderia deixar de destacar a importância desse destacado economista, que não só deu sua contribuição ao ensino e à pesquisa, como exerceu importantes cargos públicos. Exercícios cumpridos com o preparo e o rigor técnicos que se espera de um economista, bem como, pela ponderação e simplicidade com as quais lidava diante de situações complexas. Esse seu comportamento lhe dava uma clara substância humanista nas suas escolhas e decisões.
Além dos textos que tive acesso no início da minha carreira acadêmica, tive o privilégio de conhecê-lo um pouco mais de perto. Meu primeiro contato pessoal se deu um ano depois daquele tal texto sobre inflação, que estava para minha leitura, justo no dia da morte do meu pai. Mas, foi em dezembro de 1984, nas dependências da USP, por ocasião do congresso de economia promovido pela Associação Nacional dos Cursos de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), que pude estabelecer um rápido contato, no burburinho de uma das mesas de trabalho.
O privilégio maior após esse primeiro contato foi ter sido seu aluno, quando em 1987 fui selecionado e iniciei em 1988 meu curso de doutorado, na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), da mesma USP. Com ele, na condição de professor, recebi seus ensinamentos sobre Teorias da Inflação, em aulas que aconteciam aos sábados.
Um aspecto a relevar dessa época é que, após ter sido Secretário da Fazenda de SP no governo de Franco Montoro (1983/85), Sayad assumiu o Ministério do Planejamento do governo Sarney. Neste posto, foi um dos artífices do plano cruzado (fev/86), que vitimado pelo populismo e a extensão do congelamento de preços, terminou por não conter a inflação e fez com que Sayad saísse do ministério. Ou seja, para mim, ter ouvido de perto, dois anos depois, o que se passou pelos bastidores do fiasco do cruzado foi um aprendizado a mais.
Passado esse período e depois de ter participado da gestão da Prefeita Marta Suplicy, como Secretário de Finanças (2001/04, reencontro-me com Sayad noutra missão. Sua visão humanista, aliada ao seu profundo conhecimento sobre o papel da produção cultural para a economia, permitiu-nos uma troca de ideias, na ocasião em que esteve como Secretário da Cultura no governo de José Serra (2007/10). Quando em 2008 conclui o livro “Economia da Cultura”, a conversa que tivemos antes, no seu gabinete da Secretaria, foi enriquecedora para esse meu trabalho de pesquisa.
Por essas e outras, reverencio Sayad como um grande nome do pensamento econômico. Um registro que já fiz com nomes como Celso Furtado, Roberto Campos, Edmar Bacha, Reis Veloso, Roberto Cavalcanti, Cristóvam Buarque, Clóvis Cavalcanti, Werner Bear e Eduardo Giannetti. Nomes que se somam a outros que fizeram e continuam a fazer diferença, por tantas contribuições técnicas.
A gratidão não se precifica, mas seu valor é incomensurável.
Alfredo Bertini – Economista e colunista da Folha de Pernambuco
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