O QUARTO “D” DA TRÁGICA HISTÓRIA DA CULTURA COMO ATIVIDADE ECONÔMICA 2 –

Sobrevivência na Diversidade das Produções Culturais e a Baixa Assimilação dos Conceitos Econômicos

Desconhecer é algo que, em larga medida, deriva de uma falta de informações, por menor que seja o esforço por buscá-las. Por sua vez, a desinformação é consequência da ausência de atitudes que promovam a geração de indicadores para pesquisa e avaliação, mesmo que ao alcance, por falta de decisão política. Por fim, o desinteresse está em ignorar um setor produtivo não só capaz de se expressar nos seus valores econômicos. Qualquer desleixo político com a cultura põe sob risco uma causa identitária, suficiente para comprometer o marco civilizatório de um povo que se guia pelo espírito de nação.

Expressos os três “D” nas suas inteirezas e deixando a ameaça do outro “D” para o próximo texto, enumero abaixo uma sequência conceitual que dá a devida robustez econômica ao setor cultural. Para firmar meu contraponto aos que enxergam a cultura com a miopia de um certo preconceito, faço uso das palavras do Prof. Yony Sampaio, proferidas do alto da sua experiência com a ciência econômica, citadas num dos seus inúmeros textos: “o que se vê, nem sempre é verdade; e, o que se pensa quase sempre corresponde ao que se olha; mas, tudo depende do olhar de quem observa o assunto”. Isso valida a tese de Aristófanes de que “insistir nas atitudes com a devida inexperiência é algo terrível”. Vejamos os fatos.

1. A cultura está constitucionalmente protegida pelo dever público de lhe garantir o acesso da população aos bens e serviços produzidos.

2. O melhor da riqueza cultural do país está assentada na sua diversidade.

3. Essa diversidade se mostra em modelos de produção diferentes, inter e intrassetorialmente.

4. Pluralizar o termo para “culturas” faz todo sentido e só reforça a dimensão de uma cadeia produtiva extensa e complexa.

5. Nesta ordem de grandeza não cabem políticas públicas de “mão única” e homogêneas, em desrespeito às especificidades.

6. Numa linguagem econômica de agregação, pode-se referir ao setor como sendo de “mercados heterogêneos ou segmentados” (as tais diferenças inter e intra), aspecto esse que possibilita intervenções públicas diferentes.

7. O uso do incentivo fiscal por certos produtores surge como uma proposta de política “meeira”, porque não exerce a plenitude comercial (onde a produção se financia com suas próprias vendas) e nem muito menos se revela como as pequenas produções, aquelas pouco ou nada capazes de colocarem seus produtos no mercado (essencialmente dependentes de recursos públicos, para preservarem suas identidades).

8. O desconhecimento e a inexperiência atrelados a essas premissas terminam por gerar desleixos como não avaliar o peso econômico do setor, bem como, propor medidas ineficazes.

9. A ignorância que deriva do desleixo com os números faz com que muitos agentes sociais (públicos e individuais) não percebam que o setor representa algo como 3% a 4% do PIB, no qual o audiovisual (TVs, cinema, internet, games e streaming) é responsável por milhares de empregos e bilhões em rendas.

10. A ignorância que deriva da proposição em torno de medidas risíveis e inócuas está por trás de um embate ideológico, fato perceptível no péssimo entendimento que se faz dos incentivos fiscais dirigidos à cultura (algo que representa para o setor menos de 1% do total geral de incentivos), bem como, a repetitiva má fé no tratamento dos números (confundem valores aprovados com valores captados, sem falar da falta de execução em muitos casos).
11. Propor regulações e limitações sem o conhecimento de como funcionam esses distintos mercados representa mais uma politica ineficaz, pois o fato de baixar limites, por exemplo, não implica em maior participação das produções culturais menores, nem muito menos, de regiões pouco beneficiadas.

O passo seguinte será mostrar para o leitor que todo esse descaso gradual com a cultura, ao ser estimulado pelo viés de um maniqueísmo ideológico, apenas reforça a tese de que a destruição do setor parece ser mesmo uma estratégia política. Tratarei desse assunto na próxima coluna.

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *