Como Priorizar a Humanização se a Herança da Escravizacão Persiste? –

Uma República de Soluções Inacabadas e Improvisadas

Com a devida modéstia no meu olhar crítico sobre a economia e a sociedade brasileiras, tenho usado esta coluna para expor meu tímido saldo de motivação estratégica. Pensar sobre a complexidade que envolve este país, seja qual for a área objeto de análise, é sempre um ofício hercúleo. Tem-se mesmo que ir fundo nas reservas que possam motivar algumas mudanças estruturais ainda arraigadas à historia cotidiana dos brasileiros e brasileiras.

Dado o que resta dessa motivação estratégica, tenho-mostrado um fervoroso defensor da evolução das relações humanas, como uma espécie de vetor do desenvolvimento socioeconômico sustentável. Não há como desconsiderar a relevância do capital humano para a dinâmica desse processo, levando-se em conta a contribuição de setores como a educação, cultura, ciência & tecnologia e preservação ambiental. O resultante disso é o exercício de uma amplitude econômica com objeto na qualidade de vida, no bem-estar de todos os agentes envolvidos com a engrenagem da economia. Enfim, uma mudança de conceito, na qual se exige não apenas revisões em muitas posturas individuais. Pois, o que precisa valer mesmo é o compromisso com uma consciência coletiva, capaz de dar sentido a dadas situações em que o papel individual é minúsculo, diante da grandeza de problemas humanitários ainda resilientes.

Um aspecto que me chama a atenção, quando miro para o atual contexto social do país, representa algo inadmíssivel, em plena realidade ditada pelos valores de um século, que assiste à revolução do acesso às informações. Refiro-me, sem qualquer dificuldade de reconhecimento, à indecorosa oferta de preconceitos estruturais vigentes. Dentre todos, pela expressão quantitativa e pelo histórico sentido econômico, atenho-me aos inúmeros casos diários de ódio racial, sobretudo, aos que compõem o estrato afrodescendente. Manifestações duras e insistentes, feitas de modo sistemático, indiferente de serem abertas ou contidas. Uma mácula impregnada na nossa sociedade.

Nem preciso ir muito longe para se buscar algum entendimento, tanto para as agressões odiosas, como para as atitudes inadequadas (disfarçadas de velhas piadinhas, que já não fazem mais sentido). A tragédia humanitária dos pretos no Brasil se mantém viva desde os tempos de colônia, uma vez que a abolição em si, como predizia o notável conterrâneo Joaquim Nabuco, representou um dos principais exemplos de incompletude e improviso da nossa história. Como bem diz, nos seus recentes trabalhos o escritor Laurentino Gimes , o Brasil poderia ser hoje outro, caso seus dirigentes (do imperialismo à República) tratassem a tragédia da escravização, com o respeito humano, ético e moral que o problema sempre exigiu. Séculos de dores distintas e milhares de mortes servem como um débito social que a nação brasileira precisa quitar. Por isso mesmo, não cabem mais pretextos e violências diante de um sofrimento secular, que foi responsável pelos principais exemplos de exclusão social.

Diante disso, por conta da mesmice e superficialidade das politicas, por que não encarar agora esse desafio, com iniciativas capazes de providenciar a quitação dessa vergonhosa dívida social? Neste momento de revisão dos conceitos, na intenção de um modelo de desenvolvimento pautado pela humanização, é preciso começar esse resgate em favor da inclusão social e do respeito coletivo, em favor da luta e da resistência de quem contribuiu – e muito- para a identidade nacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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