Desde algum tempo que tenho destacado alguns temas econômicos, cujos efeitos diretos derivados da pandemia garantem aos mesmos uma atenção analítica. Encerro hoje essa ordem temática com a retomada de um velho debate que ganhou novo brilho nessa crise.
Refiro-me às discussões quase sempre inflamadas sobre a presença efetiva do setor público na atividade econômica. Uma extensão do embate acadêmico entre liberais e intervencionistas, que ganhou notoriedade no ambiente prévio e posterior daquela grande crise de 1929. Os protagonismos de Hayek e Keynes deram a consistência ideológica necessária aos respectivos pensamentos liberal (ortodoxo, das escolas austríaca e de Chicago) e intervencionista (moderado e ao estilo anticíclico da dinâmica capitalista). Feito isso e numa visão paralela, cabe-me expressar o viés desse debate antes, durante e depois dessa pandemia.
Antes dela, em todo mundo e, particularmente no Brasil, a linha liberal estava em pauta, motivada pelos desacertos das políticas econômicas (monetária, fiscal e cambial) que levaram ao descontrole as contas públicas. Restrições monetárias, flexibilizações cambiais e, sobretudo, reduções dos gastos e da carga tributaria, foram elementos da agenda, fortemente defendidos e estimulados. Na economia brasileira, algo aceito entre a maioria dos economistas, até mesmo os “keynesianos”. De fato, um esforço de equilíbrio entre os extremos de uma ortodoxia liberal e uma intervenção estatal plena.
O advento da pandemia, no processo de uma terapia “mezzo” liberal contra os excessos fiscais, aguçou o debate em favor de uma pauta intervencionista, haja vista a exposição de algumas sequelas do nosso frágil e distorcido tecido social. Numa crise tão adversa quanto essa surgiram duas situações extraordinárias, que precisaram de decisão política e execução imediatas. Em primeiro, a questão da saúde pública, na forma de preservação de vidas. Em seguida, a assistência social plena (física e financeira), na forma de proteção aos vulneráveis. Isso implicou em intervenção pública direta, gastos efetivos, ações que se disseminaram como forma de sustentação macroeconômica da “demanda agregada”, bem ao estilo keynesiano. Numa situação tão atípica assim, até os mais pétreos liberais se renderam.
Diante desse quadro que antecedeu a pandemia e alterado pelas circunstâncias da sua instalação, o que se pode prever para depois? A política econômica se renderá a qual orientação? Ao se olhar pelas lentes estruturais, a economia brasileira irá precisar de um direcionamento político mais equilibrado, dosado no uso das ideologias aqui postas, conforme as circunstâncias enfrentadas. Para fazer jus ao nome da coluna, nem 8 e nem 80, em termos de liberalismo e intervencionismo.
Por um lado, à condição estrutural do desequilíbrio fiscal, far-se-á necessária uma terapia liberal clássica. Por outro, à condição estrutural do descompasso da política social, far-se-á necessária uma dose keynesiana convencional.
Caberá à equipe econômica uma composição politica, com competência e habilidade para traduzir seu esforço pelo desenvolvimento socioeconômico sustentável.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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