A Triunfal Ditadura da Falta de Preferências –
Sonhar é Disciplinar o Possível e o Factível, Enquanto Exercício para o Planejamento e a Democracia
O ato de pensar o futuro de qualquer nação carece ser encarado como uma missão pública irrevogável. Por isso mesmo, contar com planos para governar representa um belo exemplo de exercício democrático, embora seja indispensável se disciplinar o possível e o factível.
Diante disso, quando se pretende por o pensamento a serviço do futuro, a lógica desse processo impõe três questões básicas: 1) O que será? 2) O que pode ser? 3) O que se deseja ser? Respectivamente, o possível, o factível e o desejável estão por trás de cada questão. É fato que a realidade e o tempo impõem limites, de sorte que o futuro costuma se render a dados valores de uma boa utopia: a força e a ousadia.
Digo isso para me basear neste complexo momento político e daí extrair duas questões que me chamam atenção. Antes de dizê-las, porém, na intenção até de reforçá-las, lembro aqui das primeiras sabatinas recentemente transmitidas. Entre tantas distinções reveladas pelos sabatinados, aquela que ficou mais evidente foi o domínio programático, de quem tem ou não suas estratégias encampadas.
Quem não as revelou (Bolsonaro) foi justo aquele que mais tem apostado no embate plebiscitário, pois parece não se esforçar na adoção de compromissos planejados. Quando o candidato Ciro evidencia que “a maior ameaça à democracia é o fracasso dela na vida do povo”, parece-me que deixa claro que a tendência plebiscitária das eleições não é bom para a democracia. Razão pela qual, ele tem insistido em defender seu plano.
Dada essa ênfase e de volta àquelas duas questões iniciais, destaco que a primeira trata da inércia de uma polarização, inspiradora do que aqui usei como título: a triunfal ditadura da falta de preferências. Por sua vez, a segunda reforça essa tese, quando a tal essência plebiscitária do pleito parece mesmo consagrar a demonização dos planos de governo. Em síntese: a sutileza do maniqueísmo imposto à disputa eleitoral retira o mínimo do brilho dos embates programáticos de duas outras candidaturas competitivas. Uma aposta desbalanceada e que tem proporcionado aos seus dignos representantes um protagonismo menor.
Cabe-me ir ao ponto. Eloquência e capacidade à parte, julgo algumas ideias de Ciro questionáveis, sobretudo, no âmbito do que ele entende ser o “novo modelo econômico”. Uma proposição geral que até pode ter olhos no futuro, mas que tem na economia seus pés fixos nos anos 50, bem ao estilo do “getulismo” ainda arraigado ao seu partido. No fundo, uma proposta intervencionista, com rasgos autocratas, inspirada num resquício estruturalista que o pensamento de Mangabeira Unger resolveu dar outra roupagem. Enfim, uma visão econômica inconsequente que, ao defender a inconstitucionalidade de romper com o teto dos gastos sem mostrar o lastro das receitas, demonstra o DNA da inconsistência fiscal do modelo.
Se isso em si já promove um debate de ideias, pior é não tê-lo com a evidência devida. Entre não ter plano, independente do falso viés liberal ou do arroubo populista do governo, pelo menos Ciro mostrou para que veio, por mais que ilustre sua utopia. Aliás, o ato de sonhar está também na capacidade de assumir a realidade e com ela disciplinar o provável e o exequível. Em si, os esforços de quem crê em planos valem pela resistência de não aceitar o triunfo dessa “ditadura da falta de preferências”. Um frágil entendimento da sociedade, que poderá custar muito caro num futuro breve.
É como diz Eduardo Giannetti: “se o sonho desligado da realidade é frívolo, a realidade desprovida de sonho é um deserto”.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco