O Financiamento do SUS e as Lições da Pandemia –
As Incertezas e a Realidade Fiscal Impõem Decisões Firmes Sobre a Saúde Pública
Entre tantas surpresas fiscais, que serviram para macular a imagem liberal de uma equipe econômica rendida ao populismo da base política do governo, parece-me um escárnio os contigenciamentos e cortes promovidos no âmbito da saúde pública. Não apenas pelo setor ser uma prioridade nos gastos, até mesmo para os mais rígidos conceitos dos liberais. Superior à tal tese, teriam que ser consideradas também as lições impostas pela devastadora crise sanitária, aqui representada pela dimensão da pandemia do COVID. E, por certo, tais lições deixaram claras a importância do modelo SUS, mesmo que diante das atitudes confrontacionistas da esfera federal diante as duas outras. No atual contexto de incertezas nas políticas públicas de saúde, tentarei recolocar a importância do SUS e os riscos institucionais que agora se impõem, por conta de toda insegurança que paira no plano fiscal.
É do conhecimento geral, que a Constituição de 1988 determinou que as três esferas de governo – federal, estadual e municipal – financiassem o Sistema Único de Saúde (SUS). Com esse modelo tripartite, ter-se-ia a receita necessária para financiar os gastos com ações e serviços de saúde pública. Uma conquista que foi amplamente reconhecida e que até propiciou elogios ao modelo, por muitas autoridades de saúde que atuavam fora do Brasil e sob aa bênçãos da OMS.
De modo geral, o sucesso pode ser auferido, por exemplo, pela excelência da cobertura do plano nacional de imunização ou pela democratização do acesso a procedimentos delicados e dispendiosos, como os tratamentos e as cirurgias para casos como câncer e transplantes de órgãos. Claro que nem tudo operava num nível de satisfação inabalável. Mas, foi tudo muito bem conduzido, até o ponto do sistema evidenciar altos e baixos, quando o ritmo foi dado pela forte pressão exercida pela pandemia.
Não obstante a pressa pelo controle da situação e o próprio enfrentamento que se fez em prazo extensivo, a estabilidade institucional do SUS foi um importante aliado no combate à pandemia. Nem mesmo a indisposição de um Ministério da Saúde, que após a gestão do Ministro Mandetta, mais se pautou pela negação e inação. Uma aposta política que gerou atrasos e lentidões, suficientemente capaz de comprometer tanto o PNI quanto às demais assistências.
Acontece que as lições desse quadro parecem ser irrelevantes. E isso se dá no bojo de experimentos ideológicos que flertam com ações privadas, haja vista o contexto tão recorrente de se questionar o papel da política pública. Até onde se faça necessário.
O fato mais evidente desse desleixo com a saúde pública está na encruzilhada da realidade fiscal. Diante da imprevidência de uma gastança explicada pelo populismo, sinalizar para a redução dos recursos do SUS ou outros programas essenciais, tem sido também uma opção contestável. As lições da pandemia provocaram consequências sobre o PNI, no sentido do compromisso vacinal, haja vista a influência do negacionismo. Do mesmo modo, no atraso do atendimento básico dos tratamentos de doenças crônicas. Também submetidos aos riscos, os serviços convencionais como a farmácia popular e os tratamentos de rotina para doenças graves. Tudo abaixo da crítica. Faltam recursos e sobram filas e desconfianças.
Com toda adversidade desenhada por esse quadro, preocupo-
-me com toda uma situação que reduz a saúde pública e o SUS a um grau de importância mínimo. Uma suspeita que causa espanto maior, quando o componente fiscal da politica econômica tem sido uma incógnita revelada pelos segredos de parte do que deveria ser um orçamento mais efetivo e transparente.
O SUS que dispensa tantos meios de tratamentos, mereceria ser tratado de outra forma.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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