Como Encarar o Desafio de Custear a Política Social? –

Incógnita do Desequilíbrio Fiscal Não Supera o Tamanho da Crise Social

Ultimamente, tenho sido questionado sobre o desafio de encarar uma economia dominada por incertezas. Aceitei a provocação e fiz do tema o conteúdo da coluna anterior, por mais que tenha me utilizado de outras tantas provocações para fazer o mesmo ao longo de um tempo pautado por instabilidades.

No cômputo geral, confesso que não percebo iguais preocupações com os rumos das políticas sociais, sobretudo, aquelas afetam mais de perto as camadas excluídas da população. Embora eu mesmo tenha usado este espaço para me inserir na obsessão de se priorizar a educação como elemento vital das politicas sociais, fui muito superficial no trato de problemas mais emergentes. Abri espaços para dizer o que penso sobre desigualdade, desemprego, pobreza e fome. Mas, deveria ter sido ainda mais intenso, como fui nas dezenas de textos em que tratei da educação. E isso se deu – e muito – pelo meu olhar para o futuro, por mais presente que a exclusão social estivesse no raio de visão.

Assumida a “mea culpa”, nas vezes que me vi envolvido com o drama social dos excluídos, demonstrei toda minha indignação pelo “estado das coisas”. Ou seja, como economista que pode ter seus vieses liberais pelo estado de “desmantelo fiscal”, jamais tapei os olhos para a piora dos indicadores sociais, muitos deles já evidenciados antes da pandemia. Ao me expor aqui como escriba, que acha inadmissível o retrocesso brasileiro no seu compromisso com a segurança alimentar, revelo-me outro economista. Justo aquele que por princípios filosóficos humanistas, tem que por a régua da dignidade cidadã acima de quaisquer outras. Em especial, as que medem a frieza dos números econômicos.

Nessa perspectiva de encarar o drama social, o atual governo erra e insiste em se manter no erro. Por falta de empatia humana e por falta de compromisso público. Primeiro, porque não tem conceitos claros do que possa ser uma politica social, diante de uma sociedade diversificada nos seus hábitos, costumes e atitudes. Uma postura que se ajusta ao ideário mais ortodoxo de quem acha que o supremacismo de certos indivíduos serve de juízo final para tudo. Depois, porque executar políticas sociais representa um simples ofício de urgência, preferencialmente, quando o assunto é fazer do populismo político mais um ato de ratificação do supremacismo ideológico.

O que se tem visto de políticas sociais no Brasil recente é um verdadeiro escárnio. Quando a fome se revela de modo contundente nas esquinas, justo por atingir 33 milhões de cidadãos, o ato contínuo do líder governamental não se reserva apenas no descrédito da régua usada para medir a ordem de grandeza. É algo pior, pois o que se tem dito abertamente mostra que os focos de fome que possam existir são derivados da falta de acesso ao programa de transferência de renda.

A propósito, esse escolha é um erro duplo. Além de falha conceitual, o modelo proposto e o meio de operação são desastrosos. Não se sabe o controle exato do público alvo prioritário, que deveria ser tão somente os mais miseráveis. Ademais, não se combate à fome apenas com a mão única da transferência de renda. É preciso buscar a complementaridade nos programas sociais.

Para quem disse que não há fome, pode até fazer sentido o falso privilégio da exclusividade da transferência de renda, bem mais nutrida pelo viés populista dado pelo embate eleitoral. Afinal, o governo fez por encolher em 38% outros programas complementares de combate à fome, entre 2019/22. E o danado é que o orçamento de 2023 prevê ainda cortes entre 95% a 97% , em todos os programas que tratam de alimentação. Um descaso com o excluídos que vivem sem a dignidade de contar com o básico das três refeições.

Outro dado preocupante e desumano é saber de outro indicador, cuja retomada infeliz, deixa-nos ainda mais à deriva, diante desse esforço de amenizar o drama social. Refiro-me aos números que corroboram a reconquista dos quadros de desnutrição de bebês. A piora das condições de fome se reflete agora no crescimento do números de bebês internados com quadro nutricional delicado. Dados de 2021, da FIOCRUZ, mostram que são 8 bebês/dia que se internam por falta de alimentação. Se os números atuais forem comparados aos do inicio da pesquisa (2008), o retrocesso atingiu o patamar de 11%. Uma tragédia que terá novos reflexos sociais à frente.

Diante da brevidade dessa análise tão dura com relação à realidade social, eu pergunto: o tamanho da crise é ou não maior que a própria incógnita do desastre fiscal a ser revelado?

Cabem respostas para quem votará e, principalmente, os que serão votados e consagrados como vencedores.

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaborador
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