A amplitude econômica da educação e a crise atual
O “acervo pessoal” de conhecimentos e habilidades que podem diferenciar a qualidade do trabalho dos indivíduos, muitos economistas chamam de “capital humano”. Há registros dessa nomenclatura nas raízes clássicas de Smith e neoclássicas de Marshall. A própria teoria do “valor trabalho” se alinha de alguma forma ao conceito, muito embora o pensamento marxista enxergue-o como uma abstração, pois encarar o trabalhador como um capital representa mais uma “manobra de alienação” do modelo capitalista.
Dessa base discursiva se chegou à formulação de uma teoria, a partir dos estudos desenvolvidos por Theodore Schultz em Chicago, nos anos 50. Através dele, a “teoria do capital humano” descreve que a educação torna os indivíduos mais produtivos, aumenta seus salários e influencia no desenvolvimento econômico. Coube a Gary Backer, nos anos 60, aprofundar ainda mais tais conceitos de Schultz.
Mais recentemente, James Heckman dá mais contornos científicos a essa relação entre educação e economia. Nesse sentido, a dinâmica moderna do mercado de trabalho não considera apenas a qualidade do trabalhador pelo treinamento e técnica absorvidos no seu aprendizado. Além disso, incorporam-se habilidades cognitivas, sociais e emocionais, sobretudo, num mundo hoje ditado pela forca dos “big dates” e dos algoritmos. Para o alcance dessa conquista, na visão de Heckman, é preciso trabalhar em cima do investimento em educação na primeira infância (período de 0 a 6 anos de idade), razão maior do êxito econômico de qualquer nação. A solução da chamada “equação heckmeniana”, passa então pela inteligência e as habilidades sociais, que devem começar a ser desenvolvidas em idade precoce. Daí a importância de se investir na base da pirâmide educacional.
Nesse cabedal teórico em torno do viés econômico da educação, que envolve toda linhagem do pensamento e até dois economistas com prêmio Nobel (Shultz e Heckman), uma questão é clara e contundente: não há solução para o desenvolvimento sem investimentos em educação. Evidentemente, que aplicados de modo operacional eficiente e com a eficácia dos resultados como alvo maior.
Esse meu argumento considera a densidade teórica dessa relação, sem paixões ideológicas exacerbadas. Ajo aqui na mesma concepção de um equilíbrio necessário. Nem 8, nem 80. E, ao dar ênfase a essa defesa, levo em conta a extensão danosa ao sistema educacional, que deriva da gravidade da crise gerada pela pandemia. Seja no Brasil ou no mundo, o maior e mais desafiador dos dilemas que os governantes hoje se deparam diz respeito à regularização do ritmo normal das aulas.
Afinal, o que fazer? Retomar e vulnerabilizar as crianças e os jovens aos riscos de contaminação de um vírus agressivo e letal? Ou enfrentar esse contexto com protocolos de segurança e daí não vulnerabilizar o já frágil retorno econômico que é inerente ao sistema educacional brasileiro?
No ambiente extenso da crise atual, sou do principio de que o erro de planejamento central para encarar o nó econômico da pandemia, também não apontou para quais as “portas de saída” apropriadas para a volta à normalidade. Dada essa premissa, a retomada até aqui construída pelos vieses econômicos, deixou todo o sistema educacional como “último da fila”. Por mais que haja preocupações com os novos sinais de periculosidade na contaminação de crianças (que têm gerado sintomas de enfermidades sem volume de medicamentos adequados), ou mesmo, consequências políticas pouco sustentáveis, entendo que as perdas econômicas pelo prolongamento da paralisação do setor, trazem enormes preocupações.
Em PE são mais de 2 milhões de alunos sem presença em salas de aula. Desses, mais da metade representa o corpo discente dos municípios e das escolas privadas. Justo onde estão parte das crianças da primeira infância e aquelas matriculadas no ciclo fundamental. Heckman estaria no limite da preocupação.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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