PONTO DE VISTA DE ALFREDO BERTINI

 

A economia nordestina e o centenário de Furtado –

Inicio na coluna de hoje uma nova série de textos sequenciados. Dessa vez, minha intenção é fazer uma breve análise da economia nordestina. Tomo como referência a perspectiva histórica no processo de desenvolvimento que foi alcançado, desde as discussões que ensejaram a criação da SUDENE, em 1959.

No bojo dessa decisão, confesso o quanto esse tema me traz de respeito acadêmico e intelectual, por ter que relevar o papel de um grande economista nordestino: Celso Furtado. Em 26 de julho passado, foi comemorado o seu centenário, para o qual prefiro dar um tratamento reverencial mais amplo, como sendo o de um dos maiores intérpretes do Brasil. Independente dos vieses ideológicos característicos de cada um, Celso Furtado está no nível da contribuição ao pensamento nacional, de nomes como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior, Câmara Cascudo, Oliveira Vianna, Milton Santos e Roberto Campos. Passei absorto por aquela data magna, mas a deferência ao centenário ainda está em voga.

Diante disso, não posso tratar da abordagem que pretendo sobre a economia nordestina, sem deixar de reconhecer o trabalho exercido por Furtado, em defesa do desenvolvimento regional. Seja como pesquisador de grande contribuição técnica. Ou mesmo, como gestor público de enorme influência política.

Ter passado entre os anos 40 e 50 pelo Doutorado em Sorbonne, pela criação da CEPAL em Santiago e pelo trabalho de docência e pesquisa em Cambridge (a convite de Nicholas Kaldor, onde de lá escreveu o clássico “Formação Econômica do Brasil”, em 1958), todo esse cabedal proporcionou a Furtado esse papel de “intérprete” da realidade brasileira, sobretudo, no que concerne ao Nordeste. Nesse período, após uma discreta  contribuição dada à elaboração do “Plano de Metas” de JK, Furtado se dedicou e assumiu a responsabilidade pela elaboração do documento técnico do GTDN, que deu a consistência necessária à criação da SUDENE. Só por isso, vale-me à pena esse respeito profissional.

No entanto, insiro-me no plano das discordâncias com relação a alguns diagnósticos e algumas estratégias adotadas. Evidente que isso não me faz negar a importância da contribuição de Furtado na defesa do desenvolvimento do Nordeste. Em alguns  pontos, a visão keynesiana-estruturalista fez todo sentido, para que sua proposta de modelo de desenvolvimento pudesse trazer à baila não só os avanços socioeconômicos, como ainda um despertar para o problema da desigualdade regional no Brasil.

De fato, como referência maior do keynesianismo com o tal viés estruturalista da CEPAL, sua obra “Formação Econômica do Brasil” virou disciplina acadêmica em cursos de Economia. Um reconhecimento à  contribuição dada em favor da compreensão  sobre o nosso desenvolvimento. Para Furtado, esse processo dinâmico se dá a partir da perda de protagonismo do núcleo agrário-exportador (cafeicultura) de modelo econômico aberto, para o núcleo industrial emergente, este de modelo mais fechado, substitutivo de importações e com forte influência do pensamento nacional-intervencionista.

Foi nessa linha de raciocínio que Furtado diagnosticou o atraso econômico do Nordeste. O documento originário do grupo técnico sob sua coordenação (GTDN) apontou para a industrialização como etapa a ser buscada, para efeito do Nordeste superar seu subdesenvolvimento, dada a clássica condição de “periferia”, confirme a tese “cepalina”. Foi nesse espírito que surgiu a SUDENE, que amparada nos incentivos fiscais (FINOR) e no suporte financeiro derivado da estrutura de um banco estatal de fomento (BNB), foi capaz de levar a cabo a política regional. Sem dúvida, uma notável concepção modelar, mesmo que digna de falhas pontuais.

Bem, respeitada a forma  que penso a Economia, sem apostar em dogmatismos exacerbados, levarei adiante nos textos seguintes essa linha de análise. No meu exercício de pensamento favorável ao que chamo de “ponderalismo pragmático” comentarei os acertos e erros dessa política, sem perder de vista a evolução histórica e a enorme contribuição de Celso Furtado. Que isso lhe valha como minha singela homenagem.

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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