A felicidade é pauta da agenda econômica? III –
No objeto maior de se buscar um desenvolvimento econômico mais efetivo, no sentido de que seja capaz de ser sustentado por melhores níveis de distribuição de renda e equilíbrio ambiental, a defesa pela métrica inclusiva da felicidade cabe uma longa história.
Não se precipite o leitor em achar que tal relato seja um conto da fantasia infanto-juvenil. O episódio em si não só foi pura realidade, como mexeu com o universo acadêmico, na intenção de se por uma dose maior de humanismo, na frieza das estatísticas que mensuram indicadores macroeconômicos.
Nesse contexto, o homem passa a ocupar o centro das discussões, com base no avanços conceituais das teorias do bem-estar, que expus brevemente nas colunas anteriores. Ao se partir desse principio o desenvolvimento deve ser buscado como um processo de expansão das liberdades individuais, através das decisões políticas, das iniciativas econômicas e das oportunidades sociais, todas construídas pelo interesse público, com transparência e segurança.
E essa história começou em 1972, no Reino do Butão, um diminuto recanto himalaio, encravado entre os imensos territórios da China e da Índia. Lá, um jovem soberano de 17 anos questionou a prosperidade pela ótica exclusiva da riqueza, sem que fosse mensurado o grau de satisfação de todos integrantes do reino. E sua postura foi além da retórica, porque abriu as portas para que fossem criadas métricas que aferissem a felicidade do povo. Este não deveria estar submetido à estimativa tradicional derivada do produto interno bruto (PIB). O rei desejava algo que até demonstrasse a riqueza do reino, mas que fosse absolutamente afinada e harmoniosa com um bem-estar social e um modus vivendi integrado ao ecossistema.
O fato foi que essa sua disposição influenciou diversos pesquisadores sociais, de um modo tal que o tempo de estudo dedicado ao questionamento da realeza se encarregou de formular um novo indicador: a felicidade interna bruta (FIB). A felicidade passa a ser reconhecida como um direito humano no modelo de desenvolvimento, no qual se releva o princípio da dignidade cidadã e o reconhecimento pelos conceitos sociais de sustentabilidade.
Assim, essa estimativa levou em conta nove variáveis que expressavam as seguintes dimensões: bem-estar psicológico, saúde, educação, cultura, uso do tempo, vitalidade comunitária, meio ambiente, governança e padrão de vida. Para acompanhar de perto esse esforço teórico e prático efetivado pela economia butanesa o intercâmbio científico foi amplo, sobretudo, na virada do século. Nosso mestre pernambucano Clóvis Cavalcanti fez parte de um grupo pioneiro de estudiosos do tema. Por outro lado, a FGV e, particularmente, o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, têm exercitado algumas estimativas da FIB. Evidente que as realidades econômicas butanesa e brasileira possuem um distanciamento gigantesco. Mas, os esforços teóricos e experimentais não podem ser perdidos de vista. Para o Brasil, cabe uma reflexão final.
Um País de culturas diversificadas, que muitas vezes exprimem uma disposição lúdica de sobrevivência cotidiana, não pode desconsiderar esse atributo no seu modelo de desenvolvimento. Como bem diz Eduardo Giannetti, “essa base estrutural e uma boa dose de disposição civilizatória, podem fazer com que o Brasil tenha suas próprias métricas”, capazes de se agregarem às convencionais.
Também sou adepto de utopias assim. E justamente aí reside uma felicidade própria que carece de ser aferida.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco