Nunca é tarde para se ter esperança –
É comum ao final de cada ano que se enalteça a esperança por tempos melhores. Parece-me que o surrealismo kafkiano de 2020 irá mesmo “pintar de verde” todas as metas traçadas. Por razões assim tão evidentes, a crença pela superação das adversidades será um mantra natural de todos nós. Certamente, os desafios e responsabilidades depositados na conta de 2021 não serão insignificantes. Por isso, esperança não se desperdiça. E, nesse bojo, a economia irá clamar por dias mais alvissareiros para o decorrer do novo ano.
Há, no entanto, três perguntas que não querem calar. Diante de uma inércia econômica clássica, ainda há motivos para se ter esperança? Quais as lições de uma crise econômica exógena como esta, para efeito de se iniciar alguma revisão nesse modelo de desenvolvimento superado? O governo estaria inclinado em responder com resultados as duas questões anteriores? Meu esforço a partir de agora é apontar para possíveis respostas. Não tão implacáveis pela própria inexatidão que pauta a economia. Mas, caberão reflexões aos interessados.
Sobre a esperança pela reversão do quadro econômico diante da gravidade e da extensão da crise, não há luz no curto prazo. As reformas que levam à superação do problema fiscal dependem em larga medida do Legislativo. Um ponto de partida desse cenário desanimador está no déficit de R$ 247 bilhões, que acabou de ser projetado na LDO recém-aprovada. Ou seja, ao imobilismo atual, somam-se disputas eleitorais nas duas casas do Congresso, fato este que anula qualquer avanço no primeiro bimestre. Daí vem tardiamente a aprovação do OGU e junto um pacote de incertezas quanto à retomada das reformas. Nesse cenário fiscal, inserem-se ainda preocupações como o desemprego e a desigualdade de renda. Para esses casos, lembre-se aqui o fim do programa emergencial de renda, que por si só afeta as duas situações. Pela diminuição do desalento (e o consequente retorno do trabalhador na busca pelo emprego) e pela pressão nos níveis de pobreza.
A segunda questão até que pode trazer um certo alento, se houver alguma disposição por mudar a política pública, a partir de lições extraídas da pandemia. Quero dizer com isso que a intenção por se revisar o modelo de desenvolvimento depois de uma crise sanitária seria algo tão exemplar quanto à dificuldade em vê-la como factível. Ou seja, razões existem, mas a disposição por transformá-las em realidade exigiria muita vontade política. Além, claro, de esforços técnicos que superem as amarras de pensamentos econômicos que não se conversam. Essa aposta por um desenvolvimento mais inclusivo e ambientalmente sustentável requer maturação. Isso porque carece de um processo transformador, cuja chave de acesso representa uma palavra mágica, politicamente correta e reconhecidamente desvalorizada: educação.
Por último, a resposta à terceira questão parece estar no campo do improvável. Não me parece difícil compreender que o Governo terá suas razões para recuar. No primeiro caso, pelo desafio de enfrentar e colher resultados com o controle dos gastos e o alcance de um crescimento que amenize o desemprego e a desigualdade. No segundo caso, pelo embate ideológico que não lhe faz acreditar na construção desse novo modelo de desenvolvimento que aqui defendi.
De qualquer modo, a sorte está lançada e a esperança é sempre renitente. Coisas do Brasil.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco