ROTEIRO DA MARCHA NACIONAL DA INSENSATEZ: SUA EXCELÊNCIA O VÍRUS – 

Pois é. Em termos de pandemia, quando tudo começa errado na origem e segue assim no percurso, os passos da insensatez nacional são implacáveis.

Desde quando tudo começou há um ano, vivemos na soberania do SEM. Eis o sentido da negação ao atual estado das coisas:

sem lembrar que a cadeira de comandante de uma nação não é para ser considerada por qualquer viés de atendimento, uma vez que se governa para todos, seres e ideias diferentes, não apenas para um grupo político e seus fiéis seguidores;

sem planejamento e coordenação estabelecidos;

sem o entendimento prévio da essência de uma pandemia de extensão mundial, causada por um vírus agressivo e desconhecido, que exigia a valorização da ciência;

sem a precipitação de achar que estratégias de combate podem ser tão simplistas como achar que qualquer experiência de fora é aplicável a um país grandioso e diverso como o Brasil;

sem admitir que vidas preservadas numa política de priorização à pandemia não só são mais importantes que a sustentação plena das atividades econômicas, uma vez que a saúde pública é quem passa a ser a variável determinante da recuperação econômica;

sem fazer campanhas massivas de esclarecimento que viessem enaltecer os valores vitais da prevenção;

sem crença na ciência, que transforma anos de estudos em exercícios dedicados de pesquisas diárias;

sem respeito aos profissionais e o sistema único de saúde pública, que bem sabem o ritmo cotidiano das demandas de uma sociedade marcada por tantas carências;

sem o conhecimento de análises dinâmicas, capazes de mostrar que situações complexas não são resolvidas por meio de fórmulas simplistas (nem muito menos, por panacéias ou placebos);

sem empatia com relação às situações que estrangulam o sistema de saúde e que a partir dele é que se tem os indicadores para controle de aglomerações e riscos exponenciais de contaminação;

sem disposição para articular as diferenças políticas e daí se convergir para ações realmente federativas, em respeito às realidades locais;

sem compreensão do que seja efetivamente um sistema de saúde pública e, por extensão, entender que uma crise em forma de pandemia tem o mesmo sentido de uma guerra, de tal modo que o coletivo prevalece sobre o individual, enquanto o mal perdure;

sem interesse em aceitar as vacinas como instrumentos de imunização, por meros vieses ideológicos que pautam um sentimento negacionista, abrigado no universo das teorias da conspiração;

sem disposição para comprar os imunizantes no tempo certo, haja vista que ofertas existiram desde agosto passado;

sem a mesma disposição para comprar e/ou importar medicamentos necessários e urgentes, numa crise aguçada como agora, conforme decisão de cancelamento ocorrida em agosto, recém-revelada pelo Conselho Nacional de Saúde;

sem o respeito pelas vítimas e seus familiares, numa mortandade diária de quase 3 mil/dia e beirando 300 mil em um ano;

sem que a sociedade venha também a admitir seus erros, pois pouco colabora com a prevenção e muito ignora o risco e a força da doença.

Por tudo isso é que os racionais estão cansados. Quem sabe algum dia o brasileiro venha ser entendido como o indivíduo mais contraditório do planeta. Desde os mazombos dos tempos de colonização lusitana.

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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