“Comecei a traficar para não roubar”. A frase é de Edvânia Emanoela de Oliveira Trajano, que tem 18 anos e há dois meses está presa no Centro de Detenção Provisória de Parnamirim, por tráfico de drogas. Grávida de sete meses do segundo filho, a menina deixou o primeiro, que tem três anos, sob os cuidados da mãe dela. O pai das crianças também está em uma unidade prisional, também por tráfico. Os dois foram detidos juntos.
O número de mulheres presas no Rio Grande do Norte quase dobrou em dez anos, de acordo com os dados do Ministério da Justiça e da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Sejuc). Para a Defensoria Pública do Estado, a cooptação das facções criminosas e a política de “encarceramento em massa” têm contribuído para o aumento da população carcerária feminina. Porém o que mais leva as mulheres para a cadeia são as influências e coações de companheiros. Assim como foi com Edvânia.
Segundo dados do MJ, no ano de 2008 havia 283 mulheres presas no Rio Grande do Norte. Em 2018, de acordo com a Sejuc, são 518 internas. O aumento é de 45,3% na década.
A Sejuc informou também que a maior parte delas está encarcerada por crimes relacionados às drogas: tráfico ou associação ao tráfico de entorpecentes. Segundo a Secretaria, a maioria tem entre 18 e 26 anos de idade e baixa escolaridade com ensino fundamental incompleto. No que diz respeito à classe social, a Sejuc afirma que elas integram a classe média baixa e a classe baixa.
O defensor público Rodrigo Lira, coordenador do Núcleo de Presos Provisórios da Defensoria, afirma que as mulheres que se envolvem com o tráfico de drogas têm como principal motivo os “laços afetivos”. São coagidas pelos companheiros, ou pelos filhos, ou induzidas a participarem do negócio criminoso.
“Por isso que a gente vê um número de mulheres incidindo no número de tráfico e associação para o tráfico. Justamente por causa de seus laços afetivos, seja com filhos ou com companheiros. Por isso que esse número ainda é maior”, disse.
Edvânia Emanoela conta que começou a consumir drogas aos 12 anos, um ano antes de começar o relacionamento com o primo de terceiro grau e agora marido, 17 anos mais velho. Na época, ele não consumia drogas, mas já traficava. O crime se tornou a forma de manter o sustento da casa e os vícios.
Ao longo do tempo, a garota se tornou uma espécie de sócia. “Comecei a traficar pra não ter que roubar. Eu ficava no ponto de dia e ele de noite, como se fosse um plantão. Tinha o ponto de vender e o de consumir”, conta.
Como os homens dominam o esquema do tráfico de drogas em todo o país, envolvem em negócios ilegais, por conseguinte, as mulheres subjugadas a eles . No Rio Grande do Norte, conta o defensor público Rodrigo Lira, permanecem rotineiros os casos de mulheres presas por tentar entrar com entorpecentes em presídios.
Porém o defensor afirma que tem notado uma mudança no comportamento das mulheres que se envolvem com crimes no RN. “Eu percebo que, até o ano 2000, as mulheres entravam na criminalidade geralmente com crimes característicos: infanticídio, delitos passionais… A partir do ano 2000 isso foi mudando, com a mudança que também ocorre na sociedade. A mulher foi ocupando novos espaço e isso também aconteceu na criminalidade”, argumenta.
De acordo com Rodrigo Lira, apesar de o maior percentual da população carcerária feminina ainda estar vinculada a uma submissão aos companheiros, existe um novo perfil que vem se desenhando nos últimos anos. O defensor público alega que a chegada das facções criminosas com mais força nos estados nordestinos tem influenciado nessa mudança.
As mulheres, segundo ele, têm sido cooptadas por essas organizações, que oferecem vantagens a seus associados. Rodrigo Lira diz que as que integram esse novo grupo, que por muitas vezes chegam a liderar as ações delituosas, são de classe baixa, com baixa escolaridade, desempregadas, normalmente, mães solteiras.
O defensor revela que tem observado que muitas dessas mulheres que têm se associado ao crime procuram fontes de renda e sustento familiar. “A gente percebe uma coisa que não percebia antigamente: a mulher tomando a iniciativa do crime. Claro que ainda é um número menor que aquela mulher que entrou por laços afetivos”, acrescenta.
O defensor Rodrigo Lira destacou ainda outro elemento que contribui para o aumento da população carcerária de homens e mulheres não só no Rio Grande do Norte, mas em todo o Brasil. “A política de encarceramento em massa”, afirma.
Para Lira, o modo como o Estado trata o combate às drogas faz com que as penitenciárias estejam cada vez mais inchadas. O defensor explica que a Lei de Drogas dá margem “muito subjetiva” para o enquadramento em seus artigos. “É essa falácia de punir a qualquer custo. Quando uma pessoa é abordada pela polícia e está portando drogas, depende muito da percepção do agente de segurança, que vai dizer se ela está ou não comercializando”, argumenta.
Lira acredita que essa subjetividade da percepção da polícia para com o caso influencia no alto número de pessoas encarceradas.
Quando foi detida pela primeira vez, aos 17 anos, Edvânia estava com 150 gramas de crack e 100 gramas de cocaína. Na segunda prisão, já maior de idade, eram 15 gramas de cocaína e 1 grama de crack.
Edvânia Emanoela, personagem que reflete a realidade do sistema prisional feminino do RN, não sabe quando poderá deixar a prisão. Ainda não foi julgada e não há data marcada para isso. Quando voltar à liberdade, quer manter a família unida, mas deixar o tráfico. “Quero terminar os estudos, fazer faculdade de Enfermagem e cuidar dos meus filhos”, projeta.
Fonte: G1
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