Adauto José de Carvalho Filho
O maior defeito que agride a minha sensibilidade no atual sistema político brasileiro, os constitucionalistas que me perdoem, é a pessoa que galgou a mais alta patente da República e ficar, tanto tempo após a sua saída do cargo, pelos meios democráticos, se imiscuindo em firulas da vida nacional, grandes ou pequenas. O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva é um especialista em se achar indispensável. Os últimos anos foram cheios de excessos de soberba e carência de brasilidade.
O primeiro episódio, mostrado nas entrelinhas, pela imprensa, mostrou na época uma figura que deveria ser uma reserva moral para a República ser pego pressionando os Ministros do Supremo Tribunal Federal que atravessarão, no curso da história, dois julgamentos que a sociedade exigia que fosse feito com a maior lisura possível e que a verdade surjisse clarividente dos autos: os escândalos do mensalão e a CPI do Cachoeira. O primeiro finalizado para julgamento e envolvendo dezenas de pessoas, a maioria do partido do ex-presidente. O segundo, investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito, que demonstrou desde a sua formação, ser um grande picadeiro político, mas que poderia ter tomadp outro rumo se ao escândalo do mensalão fosse aplicado o rigor da lei. Não pedimos favor, mas um simples cumprimento das competências constitucionais.
Uma troca de escândalos.
Essa, em suma, foi à proposta do ex-presidente. Ele entregaria o caso Cachoeira de bandeja em favor de uma amenização no julgamento dos envolvidos no mensalão. Para o primeiro ele cobrou o cargo que deu a sete dos onze atuais ministros. Uma mão lavaria a outra e ambas lavariam o jumento, no caso, o povo. Em relação a CPI do Cachoeira ele disporia sua tropa de choque para levar os fatos à exaustão. Uma coisa ficou inteligível. Nos acordos políticos brasileiros há muito mais lama do que a nossa vã filosofia é capaz de perceber.
Com boas ou más intenções, o ex-presidente jogou areia no ventilador. Se por ventura, cumprindo todos os ritos processuais, o STF tivesse que isentar uns e culpar outros mensaleiros, a sombra de um Lula corrompendo diretamente o poder judiciário seria a grande imagem a ser observada, tal um hectoplasma. Se a CPI do Cachoeira terminasse em pizza, churrasco, panetone ou numa fezinha no macaco, o hectoplasma do ex-presidente também se fará presença.
Os fatos são notórios.
Eu imagino se eu, um cidadão comum, sobrevivente da farsa do Araguaia, procurasse o Ministro Gilmar Mendes com uma proposta semelhante, o que aconteceria? Em primeiro lugar eu jamais chegaria tão próximo de um Ministro do Supremo e, se numa hipótese improvável, eu me aproximasse e lhe fizesse tal proposta? Certamente, seria preso, degregado, desonrado e prejudicado até a quinta geração de minha família. A Justiça é cega e surda. Por que, então, um Ministro do Supremo, em vez de bater boca ou cuspir nos microfones da imprensa que cobria o caso não tomou as medidas cabíveis contra o ex-presidente Lula, afinal, ele sugeriu o envolvimento do Ministro com o Cachoeira, ou seja, deixe os quarenta meninos prá lá, que eu livro sua barra por aqui. Alguém tem sido um ótimo artista. Só que a identificação é parada dura: um Ministro do STF e um ex-presidente, uma autoridade da República, o outro que ainda pensa que é autoridade. Na dúvida, eu vou guardar o livro Ali Babá e os quarenta ladrões que comprei para minha neta temendo criá-la com simbologias totalmente fora dos padrões éticos, mesmo em uma sociedade permissiva como a brasileira.
O povo.
Inteligentemente, em casos semelhantes, manter o povo ao seu lado sempre foi e será uma estratégia de defesa ou ataque. O palco do Programa de Televisão do Ratinho, que desisti de descobrir em qual linha programática atua, seria o cenário ideal. Bingo, um ex-presidente da república indo ao programa do ratinho, com o cabelo cortado escovinha devido à convalescença de um câncer e fazendo a festa. Sorrindo, falou, disse o que quis (se verdade ou mentira ninguém sabe), se emocionou, chorou, só faltou fazer um exame de DNA. Talvez fosse uma das soluções. Através do DNA do ex-presidente Lula descobrir-se-ia a forma patológica do exercício do poder no Brasil. Já tivemos de tudo. Já ouvimos de tudo. Já assistimos a tudo, em especial, o que não queríamos e nada da verdade aparecer. Se eu fosse autoridade da República faria um projeto de Lei trocando o horário eleitoral gratuito por inserções no programa do Ratinho. O clima já é de palhaçada e um a mais ou a menos em pouco alteraria a forma e todos sairiam sorrindo e com seus exames de DNA. Como registro, o apresentador afirmou naquela oportunidade, em alto e bom som que se o TSE multasse o ex-Presidente pela sua aparição no programa ele pagaria a multa. Seria permitido? Pelo sim ou pelo não, espero que ele não pague com mais ratinhos. Teríamos, certamente, uma epidemia de leptoespirose.
O mais preocupante naquele momento foi o Senhor Doutor Gilmar Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, ser achincalhado por um ex-presidente de forma explícita, tornando público o fato sem ter tomado nenhuma medida judicial cabível. Será que no nosso sistema jurídico, que dizem ser democrático, não há punição para tal conduta devidamente tipificada? Eu não sou ex-presidente nem Ministro do STF, mas, na minha pobre ignorância, se existe o crime famélico, deveria haver um inverso, ou seja, os cometidos por elementos de barriga cheia. Ou será que o que dizem é verdade.
Qual verdade? O sistema 3P?
Eu sei lá. Perguntem a Luis Inácio Lula da Silva, o ex-presidente ou a Gilmar Mendes, o Ministro do STF. As figuras envolvidas naquele episódio.
Se eles não souberem, fazer o que?
Vamos continuar o carnaval e esquecermos que tudo isso não passa de uma das inúmeras farsas nacionais…
“Angústia e solidão um triste adeus em cada mão, lá vai meu bloco vai só desse jeito é que ele sai…”.
Ou, para quem preferir, “mulher que chora, homem que jura, não acreditem não…”.
Nada como os velhos carnavais!
Adauto José de Carvalho Filho – AFRFB aposentado, Bacharel em Direito, Pedagogo, Contador, Escritor e Poeta.