POR DETRÁS DA SUPREMA CORTE –
Andei, por esses dias, xeretando na Internet a repercussão da solenidade, realizada no plenário do Supremo Tribunal Federal, para a inauguração do ano judiciário de 2010 em nosso País. Com a costumeira pompa e circunstância, o ato contou com a presença do Presidente e do Vice-presidente da República, dos Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, assim como do Procurador-Geral da República. Confesso que me chamou a atenção a tônica do discurso do Presidente do Supremo, em alarde a uma afirmada transparência na atuação do Poder Judiciário brasileiro, ao ponto do site do STF haver registrado que a “conquista da total transparência nas ações e atividades do Poder Judiciário foi assunto constante no discurso do ministro Gilmar Mendes”.
Surpreendentemente, em minha caçada na Web, não encontrei, nem de longe, a repercussão que esperava. E era de se esperar alguma repercussão, até porque não estou tão certo dessa “total transparência nas ações e atividades do Poder Judiciário”, incluindo as do Supremo Tribunal Federal, sobretudo se comparado com o que se dá nos outros poderes da República. Em nosso País, acredito, muito se passa – e pouco se sabe – nos bastidores do Poder Judiciário e, especialmente, até para parafrasear o título de um famoso livro americano, por detrás da nossa Suprema Corte.
Mas parece não ser da nossa tradição jornalística uma maior preocupação sobre o que se passa nas entranhas do Poder Judiciário e, especialmente, em nosso Supremo Tribunal, ao contrário do que acontece em outras plagas, sobretudo nos Estados Unidos. Não se nega que a Suprema Corte americana – sediada na capital do país (Washington DC) e composta por um presidente (chief justice) e mais oito ministros (associate justices) – é detentora de invulgar prestígio tanto nos Estados Unidos como no estrangeiro. Mas o fato é que são inúmeros os estudos tratando dos seus bastidores, e talvez esteja aí a razão desse prestígio. Quando em forma de livro – às vezes marcadamente jornalísticos, outras vezes mais técnicos e jurídicos – eles corriqueiramente acabam se tornando bestsellers. Recentemente, por exemplo, foi o caso de “Supreme Conflict: The Inside Story of the Struggle for Control of the United States Supreme Court”, por Jan Crawford Greenburg (Penguin Books, 2007), impressionante trabalho jornalístico sobre a dinâmica da Corte, suas personalidades, debates, alianças internas e processos de decisão. Um outro exemplo é “The Supreme Court” (Vintage Books, 2001), de autoria de William H. Rehnquist. Um amplo panorama da história da Corte, de estilo mais sóbrio, como não poderia deixar de ser, até porque seu autor foi associate justice (1971-1986) e chief justice (1986-2005) da Suprema Corte americana.
Entretanto, entre todos os livros acerca da Supreme Court americana que tive oportunidade de ler ou folhear, a mim mais encantou, sem dúvida, “Por detrás da Suprema Corte” (nossa tradução para “The Brethren: Inside the Supreme Court”), publicado no Brasil pela Editora Saraiva (1985), de autoria de Bob Woodward (coautor de “Todos os Homens do Presidente”) e de Scott Armstrong. Aliás, os autores, que por muito tempo “investigaram” para o “The Washington Post”, exemplificam perfeitamente aquela categoria de jornalistas que os americanos costumam chamar de watchdogs.
“Por detrás da Suprema Corte” inicia sua jornada “romanceando” a transição de uma Corte “dominada” por Earl Warren, que se mostrou um liberal em sua presidência (1953-1969), para uma Corte presidida por Warren Burger (1969-1986), de postura marcadamente mais conservadora. Levando em consideração, explicitamente, a dicotomia liberalismo/conservadorismo, o livro retrata o “detrás do pano” da Corte, seus juízes na dinâmica velada do colegiado, com seus debates, manobras, formação de “bancadas”, compromissos e política. Ou seja, aquilo que, de fato, muitas vezes, constrói a decisão do Tribunal.
O livro perpassa, sobretudo, os anos judiciários de 1969 a 1975, época em que a Suprema Corte americana veio a proferir, certamente, muitas das decisões mais rumorosas de sua história sobre temas, como: pena de morte, segregação no transporte escolar, o caso Nixon, pornografia e aborto, entre outros. Nesse passeio, ficamos conhecendo um pouco melhor as biografias e as personalidades dos grandes juízes que por ali labutavam. Para além dos presidentes Earl Warren, Warren Burger e William H. Rehnquist, somos apresentados às figuras dos grandes juristas liberais Hugo Black e William O. Douglas. Somos lembrados de Abe Fortas que, uma vez rejeitado pelo Senado para o cargo de chief justice, foi levado a renunciar ao seu cargo de associate justice. Ficamos conhecendo Thurgood Marshall, o primeiro negro a compor a Supreme Court. E, assim, passamos a enxergar a dinâmica de uma corte por detrás da névoa e dos discursos que muitas vezes nos confundem.
No mais, a leitura de “Por detrás da Suprema Corte” é maravilhosa, parecendo um romance (e quem não adora um romance?), com um enredo recheado de paixões, intrigas, reviravoltas e momentos de suspense e clímax. É um livro que recomendo sem pestanejar.
Bom, mas cá, apenas entre nós: será que já não chegou a hora de alguém escrever sobre o que se passa por detrás da nossa Suprema Corte? Quem se habilita?
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP
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