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Por que a Rússia tem cada vez menos russos?

Combinação de problemas históricos com fatores globais, pandemia e guerra amplifica a crise de natalidade russa. — Foto: Getty Images via BBC

Quando o presidente russo Vladimir Putin discursa em público, um dos temas que ele mais menciona é: como fazer a Rússia aumentar sua população?

“O futuro e a perspectiva histórica da Rússia dependem de quanto de nós houver”, disse Putin em seu pronunciamento do Estado da União, em janeiro de 2020.

“Gostaria de começar o ponto principal do meu discurso com a demografia — de quantas crianças nascem em famílias russas daqui a um, cinco ou dez anos. Há hoje quase 147 milhões de nós. Mas entramos em um período demográfico muito difícil.

Nos três anos que se passaram desde esse discurso de Putin, um conjunto de fatores fez o país perder entre 1 e 2 milhões de pessoas, a depender das estimativas.

E o número de nascimentos de russos é menor do que o número de mortes, o que significa que não tem havido crescimento natural da população.

A agência populacional da ONU projeta que, com a baixa natalidade, em 2050 a Rússia pode ter, num cenário conservador, 10 milhões de pessoas a menos do que tem hoje.

Problemas demográficos históricos têm sido agravados por fenômenos globais, mas também pela pandemia e pela guerra com a Ucrânia.

A seguir, entenda como, por trás disso, estão tanto desafios de natalidade comuns a vários países do mundo, quanto problemas bem específicos da Rússia.

Da Segunda Guerra à Guerra Fria

Começando pela história recente, repleta de eventos que tiveram impacto direto sobre a natalidade.

Na Segunda Guerra Mundial, nenhum país do mundo perdeu tantas vidas quanto a antiga União Soviética, que incluía a Rússia: foram entre 24 milhões e 27 milhões de mortes de civis e militares soviéticos.

Foi também um período em que poucas crianças nasceram no país. Segundo dados citados pelo próprio Putin, a taxa de natalidade em 1943 era de apenas 1,3 filhos por mulher.

O período do pós-guerra trouxe um aumento nas taxas de natalidade, assim como no resto do mundo. Mas essas taxas não se sustentaram por muito tempo: estagnaram nos anos 60 e despencaram no final da década de 1990, depois do colapso do regime soviético e da grave crise econômica que afetou a Rússia.

Esses eventos acabaram tendo impacto nas gerações seguintes, segundo explicou o demógrafo Alexei Raksha ao serviço russo da BBC.

Um exemplo: entre as mulheres em idade fértil, se não tivesse ocorrido a queda drástica na natalidade no fim dos anos 90, estima-se que o país teria, até 2030, 40% a mais dessas mulheres.

E, além de haver atualmente menos pessoas em idade reprodutiva, essas pessoas estão tendo menos filhos.

O resultado é que a última vez em que a taxa de natalidade teve um crescimento sustentado de vários anos foi no início dos anos 2000. Desde 2015, ela tem caído sem parar.

Incentivo à natalidade

Desde que foi eleito, na década de 2000, Vladimir Putin implementa medidas econômicas para estimular os russos a terem mais filhos.

A mais importante delas foi batizada de matkapital, que prevê subsídios para famílias com duas ou mais crianças.

O demógrafo Alexei Raksha diz que, no início, a medida teve o efeito desejado: mais crianças nasceram. Isso, junto com um boom na imigração de ex-repúblicas soviéticas, fez a população aumentar.

No entanto, com o passar do tempo, a iniciativa foi perdendo eficácia, mesmo tendo sido estendida também a pais que tiveram um primeiro filho ou adotaram crianças.

Mais recentemente, Putin anunciou transferências de renda mensais para famílias de baixa renda com filhos até 17 anos. E, em janeiro deste ano, ele encomendou mais propostas focadas no aumento das taxas de natalidade.

Mas ele constantemente ressalta sua visão de que a população não tem crescido o bastante para criar o que considera uma Rússia forte.

“As medidas que adotamos em meados dos anos 2000 tiveram um efeito positivo na demografia. Chegamos a um estágio de aumento natural, e por isso agora temos mais crianças nas escolas. No entanto, novas famílias estão sendo criadas por gerações pequenas, dos anos 1990. E a taxa de natalidade está caindo novamente”, disse ele no mesmo discurso de Estado da União de 2020.

“Esse é o problema principal do atual período demográfico da Rússia. A taxa de natalidade agregada, que é o indicador-chave mostrando o número de filhos por mulher, foi de apenas 1,5 em 2019, segundo estimativas. Isso é pouco ou muito? Não é suficiente para o nosso país. É parecido ao índice de muitos países europeus. Mas não é suficiente para a Rússia”, declarou Putin na ocasião.

De fato, a queda da natalidade, uma consequência típica do desenvolvimento, traz dilemas a vários países do mundo. Em 2021, cada mulher dava à luz em média 2,3 bebês, em comparação com cinco bebês em 1950.

Até mesmo o Brasil já têm taxas de natalidade inferiores a 2,1 filhos por mulher, que é o nível mínimo para repor a população que morre.

É um cenário que tem despertado debates globais a respeito de como os sistemas de saúde e Previdência Social vão sustentar um número crescente de idosos, com uma população em idade produtiva que não para de encolher.

Guerra da Ucrânia e pandemia de Covid

Mas a Rússia tem tido desafios adicionais.

Os demógrafos ainda estudam se — e como — a guerra com a Ucrânia vai afetar a natalidade russa. Por enquanto, o conflito, com seus desdobramentos sociais e econômicos, tem tido pouco impacto direto na taxa de natalidade russa. Mas existe, sim, a preocupação de que a guerra agrave a crise demográfica, ao menos no curto prazo.

E não só porque a estagnação econômica causada pelo conflito pode desestimular russos a terem filhos, mas porque as mortes nas frentes de batalha diminuem a quantidade de homens em idade reprodutiva.

A Rússia não divulga quantos soldados perdeu na guerra. O serviço russo da BBC já identificou 22 mil e 600 homens que foram mortos em combate.

Dados levantados pela revista britânica The Economist estimam que o total de mortos pode ser de até 250 mil soldados russos até agora, embora não haja confirmação oficial disso.

Além disso, a guerra provocou o maior êxodo de russos na história recente do país: algumas estimativas apontam que mais de 1 milhão de pessoas deixaram a Rússia.

São principalmente homens jovens, que foram embora do país para não serem convocados ao combate.

Em contrapartida, a guerra fez a Rússia receber um influxo de quase 3 milhões de refugiados vindos da própria Ucrânia.

Eles talvez acabem sendo incorporados à população e tenham filhos, mas até o momento só algumas centenas de milhares deles viraram cidadãos russos.

Outro acontecimento recente que agravou a crise demográfica é a pandemia.

Oficialmente, foram 388 mil mortes por covid na Rússia, mas muitos especialistas e estatísticos acham que o número real deve ser muitas vezes maior, já que a Rússia foi um dos países mais duramente afetados pela doença.

E por quê? Especialistas apontam uma combinação de problemas, principalmente dois: uma condução errática de políticas públicas e uma vacinação lenta, já que muitos russos viam com ceticismo a vacina local, a Sputnik.

A The Economist estima que o excesso de mortes na Rússia entre 2020 e 2023 (ou seja, mortes que não teriam acontecido se não fosse a pandemia) chegou a 1,6 milhão de pessoas.

É um número comparável ao dos Estados Unidos, que têm uma população mais de duas vezes maior do que a russa.

Juntando isso com as mortes da guerra e o êxodo recente de russos, chegamos à cifra mencionada no início da reportagem: a Rússia pode ter ficado, nos últimos anos, com até 2 milhões de pessoas a menos.

Todo esse quadro criou o que a Economist chama de “pesadelo populacional”, que tende a continuar a assombrar Vladimir Putin nos próximos anos.

Fonte: BBC

Ponto de Vista

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