Existem centenas de milhões de vacas no Brasil, mas uma em especial é extraordinária. Seu enorme corpo, branco como a neve, é vigiado por câmeras e um segurança armado.

Avaliada em R$ 21 milhões, Viatina-19 FIV Mara Móveis é a vaca mais cara já vendida em um leilão, segundo o livro dos recordes Guinness Book. É o triplo do valor da recordista anterior. E com 1.100kg, ela tem o dobro do peso médio de um animal adulto de sua raça.

À margem de uma rodovia que corta o interior do Brasil, os proprietários da Viatina-19 colocaram dois outdoors enaltecendo a grandeza do animal e convidando as pessoas a fazerem peregrinações para conhecer a supervaca.

A Viatina-19 é uma vaca que tem ganhado muitos prêmios, inclusive já levou o “Miss América do Sul” na competição “Champion of the World”, com sede em Fort Worth, no Texas (EUA), uma versão bovina do Miss Universo, onde vacas e touros de diferentes países se enfrentam.

Mas, aos 3 anos de idade, ela ainda não tinha provado que os seus óvulos, quando fertilizados e implantados em outra vaca, produziriam de forma fiel descendentes com as suas características de campeã, conta Ney Pereira.

Essas vacas custam tanto que as pessoas compram e vendem apenas partes delas. A empresa de Pereira, a Agropecuária Napemo, pagou vários milhões de reais (quase US$ 800 mil) num leilão de 2022 por uma participação de 50% na Viatina-19. Outro fazendeiro ficou com a outra metade, para que os dois tomassem decisões importantes em conjunto e dividissem as receitas.

Enquanto o leiloeiro batia o martelo, os alto-falantes tocavam “Suspicious Minds”, de Elvis Presley. Para Pereira, fanático por Elvis, foi um sinal.

“Isso me deu frio na barriga”, disse ele. “Éramos novos criadores. Foi um pouco de ousadia, um pouco de sentimento e um pouco de coração também”, disse Pereira.

No ano passado, ele e o outro proprietário colocaram em leilão uma participação de 33% na vaca. Um licitante pagou 7 milhões de reais (US$ 1,3 milhão), fazendo com que o valor total da Viatina-19 quebrasse o recorde do Guinness.

Da Índia para o Brasil

No Brasil, 80% do gado bovino é zebu, uma subespécie originária da Índia que se distingue pela corcova e pela barbela, que é como as dobras de pele no pescoço são conhecidas. Viatina-19 pertence à raça Nelore, uma raça zebuína criada para produção de carne, não de leite, que constitui a maior parte do rebanho brasileiro.

O município de Uberaba (MG), onde vive Viatina-19, realiza anualmente a ExpoZebu, que se autodenomina a maior exposição de gado zebu do mundo. O evento aconteceu há algumas semanas, e mostrou um Brasil muito diferente do que habita o imaginário do resto do mundo.

O código de vestimenta era composto por botas, boné de beisebol e jeans. Os shows à noite atraíram 10 mil espectadores que cantavam suas músicas sertanejas favoritas a plenos pulmões. Mas a principal atração eram as exposições diárias de gado, onde as vacas competem por prêmios que aumentam o preço dos animais nos leilões.

O leilão de maior prestígio é chamado Elo de Raça, que aconteceu em 28 de abril.

Quando a primeira vaca entrou no recinto, os alto-falantes tocaram “We Are the Champions”, da banda Queen. Mas aquele exemplar era só um aperitivo para a estrela deste ano, Donna, e três de seus clones; o preço final de venda a levou a um valor total de R$ 15,5 milhões.

Melhoria genética e meio ambiente

Com mais de 230 milhões de bovinos, o Brasil tem o maior rebanho de gado de corte do mundo, e isso é problemático: enormes trechos da Floresta Amazônica foram derrubados para criar pastagens, liberando o carbono armazenado nas árvores. E as vacas expelem metano, que é muito pior para o clima.

As melhorias genéticas que reduzem a idade de abate das vacas são uma forma útil, mas limitada, de conter o aquecimento. Medidas mais simples e eficientes incluem o plantio de pasto de melhor qualidade para pastagem e a movimentação regular do gado entre um pasto e outro, explica Beto Veríssimo, agrônomo e cofundador de uma organização ambiental sem fins lucrativos chamada Imazon.

Enquanto isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem trabalhando para abrir novos mercados. No mês passado, ele se reuniu com o primeiro-ministro Fumio Kishida, do Japão, a terra da carne Wagyu, nobre e com alto grau de marmoreio: Lula convidou seu colega a provar a carne brasileira e ser convertido.

“Por favor”, brincou o presidente durante o evento, dirigindo-se ao vice-presidente Geraldo Alckmin, “leve o primeiro-ministro Fumio para comer um churrasco no melhor restaurante de São Paulo, para que, na semana seguinte, ele comece a importar a nossa carne”.

A chegada dos clones

Um pouco mais adiante de onde aconteceu o leilão Elo de Raça, está o laboratório da empresa Geneal Genética e Biotecnologia Animal. Em um pequeno cercado nos fundos, um bezerro clonado recentemente estava deitado ao sol, ainda sem confiança suficiente em suas pernas para ficar de pé.

Outro, nascido por cesariana 20 minutos antes, encostava as costas contra o fundo de uma baia, inseguro com esse estranho mundo novo. Os clones de Viatina-19 devem nascer em alguns meses, segundo o diretor comercial da Geneal, Paulo Cerantola.

Alguns fazendeiros não gostariam de ter um grande rebanho de seus clones. Vacas que exigem alta manutenção, como Viatina-19, não são lucrativas em grande escala comercial, porque não conseguem atender suas necessidades energéticas apenas com pasto, explica P.J. Budler, gerente de negócios internacionais da empresa Trans Ova Genetics, com sede no estado americano de Iowa, que se concentra na melhoria do fundo genético bovino.

“Para o ambiente e os recursos necessários para manter uma vaca como (Viatina-19), ela se enquadra perfeitamente, mas não é a resposta para todo o gado e em todos os lugares”, diz Budler.

Pereira, cuja empresa Agropecuária Napemo é umas das coproprietárias da Viatina-19, diz que ela recebe tratamento especial para favorecer a produção de óvulos, mas que se desenvolveria muito bem se fosse colocada no pasto, de que se alimenta quase todo o seu gado de elite.

Enquanto isso, Viatina-19 está grávida pela primeira vez, segundo Pereira, que está de olho na expansão: seus óvulos foram vendidos para compradores bolivianos, e agora ele pretende exportar para os Emirados Árabes Unidos, a Índia e os EUA.

“Se ela é a melhor do mundo, não pelo preço, mas eu acredito que ela é a melhor do mundo, nós precisamos compartilhar isso mundo afora”, diz Pereira.

Sua filha veterinária, Martins, enxerga ainda mais longe. “Espero que ela seja a base para um animal ainda melhor no futuro, daqui a algumas décadas”, diz.

Fonte: G1

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