Ninguém pode afirmar que debaixo de todos os papéis dorme um estado viável ou inviável. Dessa verdade, Senhor Redator, só se terá certeza com mais alguns dias e algumas noites, quando brilhar nos olhos da opinião pública a auditoria para apurar as contas públicas deste elefante que hoje arqueja num cansaço sem ânimo. A julgar pela posição que surge em cada ranking, sua situação não parece ser das mais terríveis se merecer uma boa gestão capaz de fazê-lo viver sem as convulsões.
Não é que no passado mais recente tenha vivido um tempo de planejamento eficiente, entre os curtos, médios e longos prazos. Não. Não viveu. Mas o pragmatismo, pelo jeito, venceu a inércia destes tempos de hoje. Ou, então, e tanto pior, não sofreu o desmazelo de um mando que se impôs como uma força que, se não era oculta, como aquela que derrubou Jânio Quadros, com certeza foi invisível até hoje. E escureceu o sol da transparência em plena era desse tempo claro e democrático.
Foi essa a moldura – mando concentrado e sem planejamento – que fez o porta-retrato nos últimos quatro anos de governo, quando a vontade pessoal se sobrepôs a todos os crivos. Para quem olha a posição orçamentária do Estado, e compara com o retrato de outros estados nordestinos, seu limite prudencial foi ultrapassado em apenas dois ou três pontos, o que demonstra muito mais a má gestão – se as arrecadações foram sempre crescentes – do que o cofre vazio como tanto se anunciou.
É verdade que essa desgraça tem origem estrutural. A geração nascida na ditadura, eficiente e serviçal a todos os governos, não veio de uma carreira pública. Sua principal qualidade foi a de ter sido obediente, abrir mão do mérito da razão crítica. De tanto servir, a todos e há tanto tempo, o que deveria ser planejamento virou um monstro que depois de devorar as entranhas do governo devorou a si mesmo e hoje é um gueto que se mantém sob a falácia ardilosa de deter seus códigos de acesso.
Ora, a leniência sempre é a maior qualidade que um poderoso exige de um servidor público. Nada como tê-lo assim, eficiente e prestativo, habilmente limitando a atuação ao redor de sua mesa para não desagradar. Pulula na tecnocracia a cultura da falsa obediência no faz-de-conta bem urdido onde todos sabem que prevalece a vontade superior. É justamente por saber viabilizá-la que eles, os tecnocratas, preservam o reinado sem que respondam pelos erros que engendram conscientemente.
A escassez de quadros é o filho perverso dessa tecnocracia que se eternizou nestes últimos quarenta anos. Um novo slogan não faz um governo novo. É preciso fazer da palavra de ordem uma decisão de estado. No governo moderno e democrático o foco do planejamento e das ações não é o governante, mas o cidadão, célula formadora da sociedade. Principalmente, as cidadãs e os cidadãos que esperam do serviço público aqueles direitos que lhe são devidos e garantidos pela Constituição.
Vicente Serejo é jornalista e escritor