Quinze anos depois de aprovada a descriminalização do uso de todo tipo de drogas, separando o consumo do tráfico, Portugal apresenta os melhores resultados entre os países que adotaram o modelo. Nem o consumo aumentou, nem o país se tornou ponto de encontro de toxicodependentes de outras partes do mundo. Portugal foi pioneiro no assunto, liderado pelo médico João Goulão, atualmente diretor do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (Sicad), que recebeu nesta semana o primeiro pedido para a instalação de uma sala de consumo assistido, modalidade aprovada desde 2001 e que deve sair do papel nos próximos meses.
Quando a questão passou da área criminal para a de saúde pública, o país assistiu a uma redução significativa de infecção por HIV entre os dependentes, de mortes por overdose e da população condenada a pena de prisão por crimes relacionados com entorpecentes. Em 2001, esse grupo representava 41% do total de reclusos no país, índice que caiu para 19% em 2015.
Foi devido ao fato de o consumo de substâncias ilícitas abranger de forma completamente transversal a sociedade portuguesa que se formou um ambiente favorável a abordagem mais progressista da questão, conduzindo à descriminalização de todas as drogas. ”Quando as coisas se confinam às margens, é muito difícil mobilizar vontades para políticas inclusivas. No Brasil, por exemplo, a coisa está na favela, e é nas favelas que deve continuar”, afirmou Goulão, que tem visitado o país muitas vezes e conhece a realidade realidade brasileira.
De acordo com o o médico, a descriminalização foi importante e um primeiro passo para enfrentar o problema, mas Portugal avança ainda mais, apostando na redução de riscos e minimização de danos, movido pela ideia de que as drogas não se combatem com instrumentos jurídicos e policiais. Nesse contexto, inserem-se as salas de consumos assistido. Aprovados em 2001, esses espaços não foram ainda implantados em Portugal, porque, desde a descriminalização, registrou-se queda quase vertiginosa dos consumos por via injetável.
No entanto, com o agravamento da crise econômica em Portugal, que afetou os programas de reinserção de dependentes no mercado de trabalho e de recuperação social, essa modalidade de consumo recrudesceu, o que, segundo Goulão, já justifica a implantação das primeiras salas no país.
Há 30 anos existem salas de consumo assistido na Europa, num total de 90, em nove países. Somente em 2014 ocorreram 6.800 mortes por overdose no Continente, mas, nesse período, registrou-se apenas um óbito num desses espaços, na Alemanha, causado por anafilaxia. Todas as salas dispõem de pessoal treinado para intervir em caso de overdose. Os consumidores também aprendem manobras para ajudar os que estão em situação de risco mortal e recebem um kit com naloxona pronta para injetar.
As salas foram criadas em uma lógica de redução dos comportamentos que aumentam o risco de transmissão de doenças e de mortes por overdose. Há diferentes modelos, desde os integrados até unidades móveis, que deve ser o que Portugal vai implantar nos próximos meses. Nesses espaços, os dependentes recebem aconselhamento social e psicológico, tratamentos de substituição de drogas, feridas, doenças e troca de seringas.
Na Alemanha, há espaços mais completos onde os toxicodependentes são alimentados, podem tomar banho, lavar roupas e dispõe de uma clínica para cuidados gerais, internamento para quem está em tratamento de desintoxicação, cuidados que convivem com espaços diferenciados para uso de drogas injetáveis e fumadas.
Variam as regras para o acesso às salas. Na Alemanha, são vetados todos os que estão em tratamento com opiáceos de substituição, o que já deixa de fora cerca de 70 mil pessoas. Algumas aceitam dependentes partir de 16 anos, desde que com autorização dos pais por escrito, mas a maior parte somente a partir dos 18 anos. Nenhuma permite o acesso de consumidores ocasionais ou que estejam usando drogas pela primeira vez. Também não podem frequentá-las quem se apresentar intoxicado ou embriagado.
*Fonte: Agência Brasil
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