Peço licença para abordar a situação atual da política brasileira, sob um ângulo pouco considerado: uma abordagem sobre a evolução das condições objetivas de nossa sociedade. Este enfoque foi introduzido por André Singer (USP), em artigo publicado na revista “Novos Estudos”, do CEBRAP. Vejamos.

O PT historicamente formou-se de três forças: 1) o sindicalismo; 2) bases da Igreja (Frei Beto, Hélio Bicudo e outros) e; 3) os deserdados dos diversos grupos das esquerdas que se juntaram no PT; e o partido se construiu sob a bandeira de que a luta de classes deveria sempre estar no primeiro plano.

Ou seja, no princípio, para o PT, a luta era no campo da “esquerda”. A missão do PT ameaçava a ordem vigente. O eleitorado tradicional do PT era de classe média, com nível superior, ou intelectuais.

Em 2002, com a “Carta aos Brasileiros”, algo mudou ideologicamente. E em 2006, consolidou-se um realinhamento da base eleitoral: uma nova camada da base da pirâmide social passou a apoiar Lula, dando-lhe o diploma de Presidente, pela segunda vez. O que ocorreu?

De certa forma, o Lulismo pode ser considerado um fenômeno semelhante ao ocorrido com Luís Bonaparte, em 1848, e analisado por Marx, utilizando o instrumental teórico da ciência da história, em sua obra “18 Brumário” (1852). Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Não tenho dúvidas de que estamos diante de um fenômeno novo na história do patropi.

Lula, contrapondo-se aos princípios originais do seu próprio partido, e em que pese ter permitido o aparelhamento do Estado, a corrução, o “mensalão”, e o “petrolão”, e confundir o conceito de Estado forte com Estado grande e gastador; manteve políticas que: 1) mantém a ordem e; 2) promove a mudança.

Essa fração do eleitorado foi conquistada eleitoralmente por dois motivos: 1) em razão de sua incapacidade de organização, esse segmento (subproletariado), não se interessa por nenhum conflito que ameace à ordem vigente, manter a ordem é muito importante para essas pessoas; 2) Lula manteve alguns programas de política compensatória (bolsa-família, aumento do salário mínimo, cotas para universidade, redução do custo da cesta básica, apoio à agricultura familiar, regularização de terras quilombolas, etc), os quais realmente transformaram a vida cotidiana de milhares de pessoas, todas da base da pirâmide social.

Por outro lado, esse mesmo segmento, por motivos de sobrevivência, apoia a intervenção do Estado na economia. Politicamente, não é conservador; mas, culturalmente é preconceituoso e tradicional. Antes do Lula, votou sempre com a direita. Quer a mudança dentro da ordem. É assim a cabeça do brasileiro.

Curiosamente, a partir dessa aprovação extraordinária do Lulismo, constatou-se uma mudança na qualidade do voto do brasileiro e uma perda do discurso de que “votar no PT é (era) uma ameaça à ordem estabelecida”. O PT não mais representa a desordem, o PT pertence ao establishmen, ao sistema, às “zelites”.

Mais do que isso, o PT Lulista aliou-se às forças mais atrasadas da “direita”, a saber: Sarney, Collor, Maluf, Renan, Jader Barbalho, Gilberto Kassab, entre muitos outros; tornando-se refém dos seus interesses.

Há quem defenda que o Lulismo despolitiza o eleitorado e até mesmo quem o considere uma espécie de neoperonismo ou neopopulismo. Na verdade, o Lulismo manipula a parte desinformada do eleitorado.

O PT Lulista conseguiu a proeza de transitar da esquerda radical para a direita mais conservadora.

Ao tempo em que consegue certa transformação, com ascensão social (o que poderia ser considerado uma ação de esquerda), conquista a confiança das classes dominantes, mantendo a ordem, sem acirrar conflitos e protege o lucro das grandes empresas e, principalmente, o lucro astronômico do sistema financeiro.

O Lulismo, a meu ver, embaralha as cartas ideológicas de uma forma inusitada. E confunde até os seus próprios militantes de base, aqueles ainda embriagados pela miragem (delírio) do que o PT já foi um dia.

Pergunto eu: 1) para as eleições de 2014, na qual o candidato não é o Lula, as pessoas que mudaram de condição social se manterão fiéis ao Lulismo? 2) Ou escolherão o candidato que demonstrar mais competência e experiência política para gerir os destinos da nação, ainda que não haja sido indicado por Lula?

O Lula, com seu carisma e aprovação popular ainda tem um peso muito grande dentro do PT. Mas, Dilma não é petista histórica; não é unanimidade entre os petistas, e não lidera o partido. Dilma entrou no PT para ser ministra. Além disso, mostrou inabilidade política e incompetência para controlar os 39 ministérios e a base aliada no Congresso Nacional; conclui o mandato de forma desastrosa, com crescimento zero, juros altos e inflação crescente. Aliás, é possível que Dilma esteja sendo cristianizada.

Por fim, desconfio que estamos vivenciando um limiar de um novo tempo político no Brasil. Pelo jeito, vem por aí um governo – de coalizão – pós-Lula. Sem Lula e sem Dilma. Será?

E essa mágica pode acontecer; ou não. Dia 26, o povo dirá.

Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com

Ponto de Vista

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