PRECEDENTES DE OUTRORA –

​No meu tempo de UFRN, lá pelo começo dos anos 1990, dizia-se que os precedentes judiciais não eram vinculantes no Brasil. Aliás, dizia-se que a “jurisprudência” – esse era o termo usado – não era vinculante. Eles eram, pelo menos era essa a minha impressão, quase desimportantes. Não tínhamos, até então, de fato, uma “cultura” dos precedentes.

​Não que inexistissem precedentes no Brasil ou que eles não fossem tomados como exemplos na prática forense. O instituto do precedente – mesmo que o termo seja tomado no sentido mais estrito – é encontrado em qualquer sistema jurídico. Como então explicava Nelson Sampaio, em “O Supremo Tribunal Federal e a nova fisionomia do judiciário” (artigo publicado na Revista de Direito Público, n. 75, p. 09, jul./set. 1985), “toda sentença cria, por sua vez, um precedente. A própria lei do mínimo esforço leva o juiz, ou o aparelho judiciário como um todo, a julgar do mesmo modo uma lide que tenha características iguais de outra causa já julgada. Um primeiro julgado assemelha-se à trilha aberta em selva inexplorada. É a única clareira que convida à passagem. Se os que por ela seguirem chegarem à meta procurada, o caminho se tornará frequentado e se converterá, com o tempo, em segura estrada real. Sob o ponto de vista ético, o próprio ideal de ‘justiça igual para todos’ inclinaria o julgador a seguir o precedente. Assim sendo, é puramente platônica a conhecida proibição do Código de Justiniano, de que não se julgue conforme os precedentes – non exemplis, sed legibus indicandum est – até porque o julgador pode basear-se em decisão anterior sem mencioná-la”.

​O problema era que os atributos dos precedentes no Brasil de então – se persuasivos ou vinculantes, é do que falo aqui especificamente – diferiam em muito daquilo que era preconizado no mundo anglo-saxão ou do common law (Reino Unido, EUA e por aí vai), que ouso aqui chamar de “terra-mãe” da cultura dos precedentes. Nos sistemas filiados à tradição do common law, o precedente era (e ainda é, claro), em regra, de seguimento obrigatório. É um elemento fundamental. É o cerne desses sistemas jurídicos, seu elemento caracterizador, pode-se dizer.

​Entre nós – seguindo a trilha dos países/sistemas jurídicos filiados à tradição do civil law ou tradição romano-germânica, entre os quais se inclui o Brasil – se atribuía força meramente persuasiva ao precedente judicial, emprestando-lhe um caráter claramente secundário se comparado com a norma legislada. E aqui adapto a lição de José de Oliveira Ascensão, em “O direito: introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira” (Renovar, 1994), que, com maestria, resumia a posição clássica nos países filiados à tradição do civil law. Como regra: (i) os tribunais superiores não tinham de julgar como fizeram juízes inferiores, o que é facilmente compreensível; (ii) os juízes não tinham de julgar como fizeram já juízes do mesmo nível hierárquico – assim, se o juiz chamado a decidir um caso verificava que outro juiz decidiu já caso semelhante de certa maneira, nem por isso estaria vinculado a manter a orientação seguida; (iii) os juízes não tinham de julgar consoante eles próprios já fizeram – o fato do Supremo Tribunal ter decidido sempre em certo sentido uma categoria de casos, não o inibia de um dado momento adotar outra orientação que lhe pareça mais fundada; (iv) os órgãos judiciais inferiores não tinham de julgar conforme o fizeram já tribunais superiores – e esta seria a chave do sistema.
​E, hoje, as coisas estão diferentes no Brasil?

Sim! Atualmente no Brasil, com o desiderato, entre outras coisas, de alcançar a uniformidade de entendimento sobre as questões jurídicas e de garantir maior celeridade na prestação jurisdicional (pelo menos são esses os objetivos mais aparentes), existem determinados tipos de decisões ou conjunto de decisões, fruto de institutos processuais específicos os mais variados – decisões com efeito vinculante no controle concentrado de constitucionalidade, súmulas vinculantes, decisões com repercussão geral no âmbito dos recursos extraordinários, decisões em recursos especiais repetitivos e por aí vai – cuja autoridade é vinculante para os órgãos do Judiciário (às vezes para todos, outras só para alguns) e para a Administração como um todo.
Mas hoje eu não quero falar sobre o presente. Quero apenas resgatar o passado. Seja dando uma de historiador do direito. Ou porque “essa lua, esse conhaque” botam a gente nostálgico como o diabo.

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Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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