Há três anos, o auxiliar de pedreiro Sebastião Nascimento perdeu o emprego. Foi aí que precisou entregar a casa em que morava no bairro do Alecrim, Zona Leste de Natal, porque não tinha mais como pagar o aluguel. Desde então, se abriga embaixo de um viaduto. Zinho, como é conhecido entre os amigos de calçada, é mais um entre as tantas pessoas que estão em situação de rua na capital potiguar. E a prefeitura não sabe quantas elas são, nem quem elas são.
O Município tem duas unidades para atender a população de rua, entretanto nunca foi feito um levantamento para traçar um perfil dessas pessoas. A Prefeitura de Natal dispõe hoje apenas dos números referentes aos atendimentos que faz diariamente. Porém, o dado não reflete a quantidade de homens e mulheres que moram pelas ruas da cidade. Isso porque há a possibilidade de uma pessoa ser acolhida pelos projetos mais de uma vez no mês.
A Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas) reconheceu a importância da realização de um censo, contudo cobra contrapartida do Poder Executivo do Estado. “É importante ressaltar que reconhecemos a importância e que este censo é do interesse desta Secretaria. No entanto, entendemos que tal medida não é, exclusivamente, responsabilidade da Semtas, visto que o município de Natal recebe pessoas em situação de rua oriundos de outros municípios, e estados, havendo a necessidade de uma contrapartida do Governo Estadual, responsável em implantar um serviço regionalizado para esse público”, argumenta a Semtas.
O coordenador Movimento Nacional População de Rua no Rio Grande do Norte, Vanilson Torres, argumenta que o censo é importante para que a prefeitura possa conhecer com mais profundidade a realidade da população de rua e pensar as políticas de apoio a essa parcela da sociedade. “O censo é uma cobrança antiga do movimento”, afirma.
“A população de rua tem aumentado, é só observar os canteiros, os sinais, as marquises para perceber. Muita gente tem perdido o emprego e, às vezes, o que resta para essas pessoas é a rua”, acrescenta Torres.
Para o coordenador, o serviço que atualmente é ofertado pelo Município de Natal potiguar não é suficiente, não atende às demandas. Além disso, Vanilson Torres diz ainda que faltam projetos de moradia para essas pessoas, bem como se inserção delas no mercado de trabalho.
“As pessoas são encaminhadas para o Centro Público de Trabalho e Emprego, mandam lá os currículos e, neles, tem o endereço de morador de rua. As empresas não querem contratar. Era necessária uma parceria entre a prefeitura e empresas dispostas a fazer essas contratações, para já direcionar as pessoas para os empregos”, sugere.
Comunidade do Baldo
O crescimento da população de rua em Natal é observado com a ocupação de espaços públicos por pessoas que não têm onde morar. Um exemplo é a que ocorre embaixo do viaduto do Baldo, na Zona Leste. Vinte e três pessoas dividem espaço embaixo do concreto.
Catadores, pastoradores, desempregados. Os perfis são diversos. Contudo a Comunidade do Baldo, como foi apelidada a ocupação pelos próprios moradores, tem regras a serem seguidas, e uma espécie de gestor, que as determinou e cobra o cumprimento.
Sebastião do Nascimento, o Zinho, é essa pessoa. “Eles me chamam de chefe. Mas chefe é chifre. Aqui num tem chefe, não”, brinca. Zinho é catador. Mora na rua há mais de dois anos, desde que perdeu o emprego na construção civil. “Aqui a se gente chama tudo de irmão, é todo mundo irmão”.
Segundo ele, não pode falar palavrão, fazer barulho tarde da noite, não pode usar droga e nem “se meter com coisa errada”. Zinho tem afastado até pessoas que não moram na Comunidade do Baldo e ficavam pelas redondezas, cometendo pequenos delitos. “Porque aí depois sobra pra gente, né? Pensam que foi alguém daqui”.
Como catador, tira por mês menos de um salário mínimo. “Mas dá pra viver, graças a Deus tá dando. Por aqui, a gente vai se virando”.
Centro POP e Albergue Municipal
Atualmente, o Município tem duas unidades para atender a população que vive nas ruas de Natal. São o Centro de Referência Especializado para População de Rua (Centro POP) e o Alberque Municipal. Os dois serviços funcionam de forma complementar e estão vinculados ao Departamento de Proteção Social Especial da Semtas.
O psicólogo Rafael Gonçalves, chefe de Serviço de Acolhimento para Pessoas em Situação de Rua da Secretaria, explica que um funciona durante o dia e o outro à noite. Em ambas as unidades, é oferecido atendimento psicossocial, com equipes de psicólogos e assistentes sociais. “O primeiro contato é o acolhimento, para tirar as pessoas dessa situação em que se encontram. Muitas vezes são pessoas que não têm nada, mesmo, só a roupa do corpo”.
Ainda de acordo com Rafael Gonçalves, a equipe identifica as demandas dos moradores de rua atendidos: se eles precisam tirar os documentos, se têm problemas de saúde, ou na Justiça, dependência química, se precisam ser alfabetizados entre outras situações. As duas unidades oferecem apoio para dar encaminhamento aos órgãos que podem resolver essas questões.
No Centro POP, as pessoas em situação de rua têm acesso a oficinas artísticas, almoço e um lanche no meio da tarde. São 70 vagas fornecidas para cada uma das refeições. Por lá, também é possível tomar banho e lavar as roupas. No Albergue Municipal, é oferecido jantar e café da manhã, além da dormida. São 58 camas. “Tem pessoas que participam só do centro POP, outras só do Albergue”, explica Gonçalves.
No Albergue de Natal também há local para banho e lavagem de roupas. Há ainda um espaço de convivência, com televisão, sinuca e totó. “Às vezes projetamos filmes na parede, para fazer um cinema para eles”, conta Rafael Gonçalves.
As vagas no albergue são fixas. Só são abertas novamente para substituição. “Quando um deles termina o ciclo e vai embora, ou então quando falta três vezes sem justificativa”, esclarece Gonçalves. A unidade tem uma média de 15 atendimentos psicossociais por dia. No Centro POP são de 25 a 30 atendimentos diários.
Ainda segundo conta Rafael Gonçalves, esses acolhimentos tiveram crescimento em 2018, se comparados a 2017, por causa do concurso público que permitiu ampliação do quadro em 30%. Atualmente, são 32 servidores no Albergue Municipal e 26 no Centro POP.
Questionado sobre o censo, o psicólogo Rafael Gonçalves diz que um levantamento auxiliaria no trabalho que hoje é desenvolvido, pela possibilidade de quantificar a população de rua da cidade, bem como identificar quais deles são oriundos de outros municípios. “Porque é preciso ter uma contrapartida do Estado e também a nível federal, senão o Município fica sobrecarregado”. Gonçalves conta que os repasses da União são desproporcionais à realidade, insuficientes.
Censo estadual
Também nunca foi feito levantamento sobre a população de rua nos demais municípios do Rio Grande do Norte. Mas a Secretaria de Estado do Trabalho e da Assistência Social (Sethas) vai iniciar no segundo semestre deste ano um mapeamento. A ideia é abranger todas as grandes e médias cidades potiguares no estudo.
De acordo com Janine Baltazer, coordenadora de gestão do Sistema Único de Assistência Social do Estado, o trabalho está sendo feito em parceria com a UFRN. “Já havia um projeto na Secretaria e pedimos modificações nesta nova gestão”, conta.
Segundo ela, o projeto estava previsto para ser a realizado em 12 meses e foi pedido que o tempo de execução seja reduzido para 6 meses. Além disso, anteriormente o mapeamento abrangeria somente a Região Metropolitana, e foi solicitado que o trabalho se estenda para todo o estado potiguar.
“Queremos regionalizar os serviços para população de rua e, para isso, precisamos saber o perfil dessa população, para poder direcionar as políticas”, justifica Janine Baltazar.
Fonte: G1RN