PULA PULA –
Acordei neste domingo disposta a estudar, fazer um bolo e uma macarronada. O estudo, substituí pela Netflix. Tudo bem, Bárbara. Faça o bolo, ordenei a mim mesma, pensando no afeto que bolo de chocolate feito por uma mãe significa. O bolo no forno e o brigadeiro na panela, vou lavar louça e me lembro de uma cena de alguns anos atrás.
Não consigo precisar se dez ou quinze anos, mas ficou carimbada em minha memória. Em um sábado à tarde, enquanto eu lavava louça, percebi que estava havendo uma festa de criança no espaço de um condomínio próximo a nós. Havia escorrego inflável e uma cama elástica. A fila para a cama elástica era sempre grande. De tempos em tempos o animador pedia para um grupo de crianças sair enquanto outro grupo tirava os sapatos e entrava gritando. Sempre amei ver crianças brincando e fiquei presa em minha janela por alguns instantes, me divertindo também. No dia seguinte, um domingo preguiçoso, levanto-me e já tem louça na pia. Vejo o espaço que no dia anterior estava cheio de crianças agora silencioso. Os brinquedos ainda permaneciam lá e eu pensava que daria TUDO para pular naquela cama elástica. Olho para a portaria e vejo um homem empurrando uma cadeira de rodas com uma criança. Devia ter por volta de 5 ou 6 anos, talvez. Eles passeiam pelo espaço e param ao lado desse pula pula que me encantou. O garoto fala com o homem, que eu suspeito ser o pai. O pai nega com a cabeça. A criança fala novamente. Outra negação. Chega uma mulher. Creio que seja a mãe. Os dois falam ao mesmo tempo, enquanto a criança faz gestos com os braços que desconfio ser um “por favor”, enquanto o pai balança a cabeça da esquerda para a direita. De repente, os três param. A mãe pega o garoto no colo e coloca na margem do pula pula. A criança fica estática, parece não saber o que fazer.
Então, o pai, o qual foi vencido pelos outros dois, chega perto e empurra a lona para baixo com seus braços. O corpo da criança se desprende da lona. Ela grita. E ri. Ri mais alto e grita mais alto que aquelas vinte ou trinta crianças do dia anterior. Pede mais. O pai atende. A mãe se junta a ele. A criança pula mais alto, grita mais alto, ri mais alto. Percebo que os pais, entre as risadas, secam os rostos. Suspeito que eles choram, como eu estive chorando olhando de longe, da minha cozinha. Olho para o prédio deles e vejo que alguns vizinhos se debruçaram nas janelas e varandas e assistem àquela cena, assim como eu.
De repente, me sinto uma intrusa num momento tão íntimo. Fecho a torneira, seco as mãos e dou de cara com meu esposo que também assistiu a tudo. Nós nos abraçamos em silêncio enquanto as lágrimas desciam. Lágrimas de gratidão por ter visto esse momento, por ter aprendido com ele. Eu daria TUDO por mais camas elásticas assim. Que ergam nossas vidas e nos faça entendermos que pequenas coisas são grandiosas…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, Autora de O diário de uma gordinha e Escritora
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