QUANDO O CALAR GRITA… – Flávia Arruda

QUANDO O CALAR GRITA… –

Escrever, nos primeiros dias de isolamento social, foi muito difícil. O pânico que se instalou diante de todo o cenário mundial, por causa das consequências catastróficas do início da pandemia do corona vírus, paralisou-me de tal forma que não conseguia sequer fechar os olhos, tampouco escrever, e quando conseguia dar um breve cochilo, eram os piores pesadelos que se apossavam de meu sono.

Um dia, já não aguentando mais, resolvi que teria de reagir, sentei de frente para o computador comecei a rabiscar nada com nada, apenas exorcizando, através das palavras, os fantasmas que me rondavam. Tenho revisto velhos conceitos, buscando no momento vivido reflexões para o crescimento da alma. As crônicas têm me rendido bons frutos, novas poesias nasceram neste período, as prosas poéticas têm externado aquilo que mais me une a literatura, apesar de toda dor: o amor. Arrisco dizer que, nesse tempo de confinamento, produzi muito mais que nos últimos 18 meses que antecedeu o período pandêmico.

Tentei, é fato, reinventar o processo criativo nas construções dos meus escritos, sem muito sucesso, é verdade. Não tenho como negar esse fracasso, pois não existe uma única forma de gestação ou regra para se escrever: cada nascimento se dá de um jeito bem próprio, único, autoral.

Acordar nas madrugadas, para mim, é algo que independe dos tempos vividos, sendo ou não estáveis, daí escrever ouvindo conselhos das estrelas, vendo a lua me observar, mandando-me recados da noite, cochichando sons que só se ouve nos primeiros raios de sol, quando os pássaros nos anunciam um novo dia, não é nada estranho.

Assim como, já escrevi diversas crônicas a partir de cenas vistas no meu cotidiano, como a cena de uma mulher de saltos altos cambaleando sobre uma calçada esburacada, a cena de um menino fazendo arremesso de cuspe para sua mãe ao sair do colégio – dizendo o que tinha aprendido naquele dia, sobre o que pode dizer a uma manga tirada do pé ou mesmo uma topada no meio da rua…

Eu creio que a escrita nasce em mim quando algo me chama a atenção, então, por mais que o tema seja algo que eu tenha visto, sempre estará relacionado com o meu universo interior. Afinal, só consigo escrever aquilo que sinto, aquilo que me faz sangrar em letras.

O amor me define, em todas as suas nuances. Não sei falar sobre nada que não esteja relacionado àquilo em que acredito e sinto. Não tenho muitas verdades, e acho que isso me motiva. As dúvidas que me povoam são meu gás para buscar estratégias de sobrevivência nesse mundo cheio de ódio, rancor, falsidade, carregado de ego e de disputa.

Aprendi que hoje a minha maior concorrente sou eu mesma e, assim sendo, isso por si só já me basta, pois não se trata da matéria e, sim, sobre o espírito, sobre a alma. Por isso, sempre busco leveza nos textos que construo. Acho que os leitores mais atentos tendem a descobrir inúmeras coisas nas entrelinhas, no entanto, gosto de conversar com as palavras sobre minhas dores e meus amores, minhas descobertas e minhas interrogações, que, diga-se de passagem, são, em números, bem maiores que as minhas afirmações.

Que venham mais inquietações, mais gritos no silêncio de minhas memórias, que o meu pensar seja o “farnizim” que fomenta as madrugadas cheias de ideias e devaneios.

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, flaviarruda71@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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