QUANDO OS CLÁSSICOS CHEGAM A SUPRETA CORTE –

Há poucos dias um debate na Suprema Corte de Justiça, colocou em evidência duas Obras Clássicas da Literatura Universal, O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry e O Príncipe de Nicolau Maquiavel. Não entrarei no mérito das citações e polémicas processuais dos magistrados envolvidos na defesa e acusação do réu em julgamento. Apenas aproveito a oportunidade para contextualizar de forma sumária as duas obras em suas diferenças e relacionamentos como influências comportamentais na sociedade, de forma atemporal.

Ambas as obras apresentam grandes diferenças quanto ao estilo, gênero e mensagens para todos aqueles que têm o prazer de compartilhar as suas leituras.

O Pequeno Príncipe, foi escrito 1943, período da Segunda Guerra Mundial quando Exupéry encontrava-se exilado nos Estados Unidos, sendo uma das obras mais traduzidas no mundo em mais de 220 idiomas e dialetos. Em sua narrativa, um jovem príncipe viaja em vários planetas encontrando personagens que lhe transmite valiosas lições de vida. Sua linguagem é poética e muito acessível, num tom suave, contemplativo empregando metáforas de imagens vividas. Apesar de ser uma obra de ficção, seus contextos filosóficos com mensagens de empatia, compreensão e amor ao próximo atingem todas as idades de seus possíveis leitores. Enfatiza a visão de uma criança para um mundo conflitante da época. Em alguns momentos explora temas como a amizade, a solidão e a busca pelo significado da vida. Transportando para o momento que estamos vivendo, parece que a obra foi escrita na atualidade, já que estes temas estão presentes em nossa atual sociedade, independente da idade dos personagens atuais. O Pequeno Príncipe utiliza a condição humana de forma emocional, poética e amorosa, buscando um significado na vida.

O Príncipe, foi escrito em 1513 e publicado em 1532, após a morte do autor, em pleno Renascimento. A falta de unidade nacional e conflitos diplomáticos da Itália naquela época, onde Cesar Bórgia era um ambicioso comandante italiano, serviu de inspiração a Maquiavel como modelo de governante da época. Não é uma obra de ficção, expondo modelos eficazes de conquista e manutenção do poder. Dirigida a líderes políticos com orientações de governança e estratégias para manutenção do poder envolvendo comportamentos moralmente questionáveis. Utiliza uma linguagem pragmática e fria nas análises políticas concentrada nas complexidades do poder e da governança. Toda sua obra leva a busca e manutenção do poder, independente dos métodos empregados no ato. Daí vem a celebre frase “os fins justificam os meios”, essa expressão no entanto não é citada em sua obra, porém essa frase contextualiza todo o significado da mesma.

Apesar de muito diferentes, sendo a primeira uma obra de princípios filosóficos e poético onde o amor e o acolhimento são fundamentais para uma saldável convivência humanas e a segunda um verdadeiro tratado político e pragmático na busca do poder permanente, dirigido principalmente a líderes políticos, oferecendo orientações para alcançarem seus objetivos, independente de comportamentos moralmente questionáveis. Ambas são valiosas em seus contextos, contribuindo com a humanidade para conhecimentos literários e filosóficos, numa livre escolha de opção para a qualidade de cada um de nós humanos.

Aproveitando o momento que estamos passando para uma nova era de mudanças da humanidade, onde a tecnologia substituirá muitas das nossas ações e a Inteligência Artificial será uma presença constante em nosso meio, compartilho questionamentos sobre princípios tão antagônicos  expressos nessas duas obras e como poderão conviver nesse momento de transformação. Pesquisando esses possíveis conflitos, repasso alguns pontos que certamente servirão para nossas futuras reflexões.

A IA deve compreender e replicar a complexidade das relações humanas, ao interagir com os seres humanos onde a empatia e a compreensão sejam aplicadas em sua formatação. Desenvolver estratégias para que de forma ética e responsável, a IA seja usada para evitar abusos de poder que venham a prejudicar as relações humanas. Que os avanços tecnológicos sejam direcionados ao interesse público e ao bem estar da sociedade e não sejam empregados para exercer o controle abusivo sobre as pessoas, mais sim, proporcionando uma liberdade responsável com melhora na qualidade de suas vidas. Estimular através da IA a importância da educação e do conhecimento sem subestimar seus riscos e benefícios garantindo o uso responsável de sua convivência.

Espero que nas futuras citações da Suprema Corte de Justiça do nosso país, as referências das duas obras clássicas da literatura humana, haja a prevalência do Pequeno Príncipe, com suas emoções humanas de amor, compreensão, acolhimento e humildade, em detrimento a “O Príncipe”, com ódio, discórdia, desonestidade e soberba.

Enfim, como diz minha neta Tainá: “# a vida que segue”.

 

 

 

Maciel Matias – Médico mastologista, [email protected]

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