QUANDO PENSO EM VOCÊ –

Como haviam combinado, saíram juntos das redes sociais. Ela desligou seu notebook, juntou suas tralhas que estavam sobre a mesa da cozinha, as pôs embaixo do braço e seguiu para o quarto. Guardou cada coisa em seu lugar.  Arrumou a cama, bagunçando os lençóis, preparando-os do lado esquerdo da cama junto ao travesseiro, como de costume em seus rituais noturnos, nos preparos do seu leito para mais uma noite de descanso.

A bela moça desfez o coque do alto da cabeça, preso por uma presilha cravada de pedrinhas brilhantes, soltando suas madeixas douradas. Despiu os pés e caminhou até o banheiro para escovar as mechas que a tornara singular e encantadora. Nessa noite ela havia rascunhado algumas folhas, grafando linhas de uma envolvente poesia. Pensou consigo mesma sobre os desenhos que se formavam em seus devaneios quando pensava nos versos soltos que um dia comporia o livro de poemas, com a riqueza de seus sentimentos e a leveza do amor. Lembrou de uma frase dita, certa vez, por um amigo apreciador dos versos poéticos “poesia só me agrada quando eu leio e a sinto”.

Percorreu o quarto um pouco mais, parecia procurar algo, havia alguns vazios nos armários de seus pensamentos. Ela não conseguiria dormir, ainda não poderia dormir. Também não poderia ir às redes sociais, e nem sentia vontade. Ela precisava, na verdade, escrever o que estava engasgado, entalado em suas cordas vocais, teria que preencher em letras os espaços que a fala não pronunciou. Pensou em uma mensagem virtual… Isso! Era exatamente disso que precisava, uma forma discreta de dizer-lhe o quanto se incomodou fazê-lo desviar rotas ao apresentar-lhe situações que poderiam ser resolvidas sem o seu conhecimento. Esse era ponto de toda a sua tormenta: isentar-lhe dos acontecimentos seria o mesmo que sabotar o pacto que firmaram: de lealdade, cumplicidade e verdade. Contar-lhe poderia parecer intencional, um pedido, uma cobrança ou abuso.

Bocejou umas dezenas de vezes, enquanto escrevia. O sono chegara sorrateiro e malandro, confundindo suas ideias. Ela já nem prestava mais atenção aos escritos, nem mesmo se o que escrevia estava certo ou errado, nem a ortografia nem a ordem do pensamento. A única certeza que tinha era que não poderia dormir sem lhe dizer sobre seu bem por ele, o quanto aquele homem era especial em sua vida e do medo que sentiu de perde-lo.

Decidida, rasgou as vestes da sua alma, expos todos os seus medos e inseguranças e disse-lhe, sem titubear:

“Meu amor, eu sempre vou optar por abrir as cortinas de minhas rotinas, apresentando, sem filtros, as distorções de cada cena.  E, antes que eu seja vencida pelo justo sono, direi a derradeira impressão, parafraseando o meu bem maior, foi maravilhoso saber que eu não estou só. Tratarei de não fazê-lo passar por certos sustos. Primo e zelo a joia que lapido a cada amanhecer e guardo no baú dos meus pertences mais preciosos a cada anoitecer”

Pensou um pouco mais e finalizou com uma última frase: “Que nada material possa ser empecilho ao que vem de dentro da alma. Eu te amo!”.

(Conto Premiado no 4º Concurso de Contos, Crônicas e Poesias “João Batista Cascudo Rodrigues” da Academia Mossoroense de Letras – AMOL)

 

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, [email protected]

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