QUANDO SE JOGAVA FUTEBOL –
Meu último encantamento com uma Seleção Brasileira de Futebol foi, por via de consequência, no ano de 2002, quando conquistamos o Pentacampeonato Mundial. Não era para menos: o time era formado por alguns dos melhores jogadores brasileiros da época. Integravam a nossa seleção nomes como Ronaldinho Gaúcho e Kaká, cotados para o título de “melhor do mundo”, como já eram considerados Ronaldo (o “Fenômeno”, na opinião dos italianos) e o excepcional Rivaldo. Era um respeitável meio-campo, apoiado em dois vigorosos e eficientes laterais: Roberto Carlos, na esquerda, e, na direita, Cafu, disputando sua terceira Copa consecutiva. A defesa, segundo os jornalistas, não inspirava confiança. Porém, podíamos contar com as intervenções milagrosas de “São” Marcos, o melhor goleiro do Brasil e, de acordo com a opinião geral, o melhor da Copa, que me perdoe o venerado Oliver Khan, aquele que entregou nos pés de Ronaldo a bola para o primeiro gol do Brasil na Final.
A minha primeira emoção foi em 1958, no primeiro título, limitada pela pouca compreensão dos meus 11 anos de idade, mas suficientemente estimulada pela alegria dos meus pais, cujas lágrimas me causaram surpresa. Do mesmo modo, não compreendia a reverência e a exaltação aos nomes de Garrincha, Pelé, Didi, Gilmar, Nilton Santos e o nosso técnico Vicente Feola. Era uma época em que, durante a partida, os treinadores ficavam sentados no Banco de Reservas, diferentemente de hoje, quando se postam à beira do campo, vociferando e gesticulando freneticamente, como se fossem regentes de orquestra. Em nada colaboram, e até se acham no direito de interferir ostensivamente nas decisões dos árbitros, tumultuando o andamento do jogo.
A euforia de 1958 influiu na certeza de novo título na Copa seguinte, em 1962. Com praticamente o mesmo time, o Brasil confirmou seu favoritismo e ganhou até facilmente o Bicampeonato. O otimismo que se seguiu a essa Copa não se confirmaria em 1966. A desordem tática e, a meu ver, o excesso de confiança, transformaram aquela campanha em um pequeno desastre. A burocracia e o oportunismo colaboraram para o fiasco. Lembremos que, acompanhando a nossa Delegação, seguiram, segundo informes da época, mais ou menos 75 pessoas a convite da CBD; três vezes mais convidados do que todos os jogadores e toda a Comissão Técnica. A lição foi aprendida e, em 1970, as “Feras de Saldanha” mostraram ao mundo que o Brasil ainda jogava o melhor futebol do momento. Foi considerada uma das melhores seleções de futebol de todos os tempos (a melhor, segundo alguns). Opiniões à parte, foi uma bela e emocionante conquista para o País, que atravessava o pior momento político-social da sua História. Embalado pelos gols de Jairzinho e Pelé, o Brasil experimentou uma cívica alegria, ainda que ofuscada pela intolerância, pelas prisões arbitrárias e pelo horror subterrâneo encenado nos porões dos centros de tortura. Depois dessa conquista memorável, passaríamos ainda 24 anos para, de novo, levantar uma Taça e, a partir de 1994, comparecer a três finais de Copa do Mundo, vencendo duas delas.
Hoje em dia, nossa Seleção pode ainda encantar algum menino de 11 anos, ou algum velho de 77? Podemos garantir quem são os nossos craques? Podemos ter confiança em jogadores apenas interessados em suas contas bancárias e convocados por influência de empresários? Não acredito, e não tenho esperança de ver a nosso futebol novamente no podium. Com a minha idade e a minha desconfiança, não consigo mais enxergar alguma especial e brilhante equipe nos enchendo de orgulho pátrio e nos arrepiando de emoções. Acho que isso acabou. Foi no tempo em que ainda se jogava futebol.
Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais