QUASE EXPLODINDO –
Depois de um longo período, volto ao consultório. Faceshield, máscara N95, todo o cuidado com biossegurança… Pacientes marcados e confirmados. Chega o dia do retorno. Paro diante do espelho pensando se devo usar delineador e rímel. Claro que sim! Prendo o cabelo num coque. Não é meu melhor penteado, eu sei… Coloco um par de brincos e lembro que não é aconselhável usá-los. Tiro, guardando-os novamente, fazendo um beicinho infantil carregado daquela ansiedade boba por estar bonita. Melhor me vestir logo, para não perder a hora…
Visto a calça. Foi só a primeira… Ela entra com certa dificuldade, passa lentamente pelas coxas. Fecho o botão. Vitória! Mas o zíper não sobe. Faço um muxoxo audível… Olho para aquelas peças de roupa sem uso por tantos meses e procuro outra calça que me faça sentir confortável. Achei! Ela sobe com muito mais lentidão que a anterior e o botão fica distante de sua casa alguns centímetros. Poucos, mas o suficiente para tornar o uso inviável. Não é possível! Ou será que é?
Começo a suar. Pelo esforço empreendido e pelo medo de precisar atender com as leggings de academia, que também não estão mais tão confortáveis assim. Sinto o coração bater mais rápido de desespero e vou para a terceira tentativa. A calça subiu! E fechou! Só depois de alguns pulinhos e de fazer uma respiração tão profunda que fez meus pulmões vibrarem! Ufa! Substituo a camisa para dar uma “disfarçadinha” nas gordurinhas que ficaram bem visíveis.
Sigo para o consultório fazendo o caminho que tão bem conheço, cantarolando as músicas de sempre. Chego com bons minutos de antecedência, mas a fila para o elevador está imensa. Demoro mais do que estava imaginando para chegar ao andar almejado…
Vem os pacientes e vou atendendo-os um por um. São irmãos. Ao começar o último atendimento acredito que a calça vai explodir e o botão vai perfurar o tímpano do paciente. Orelha e botão estão na mesma linha…
– Por favor, Deus, não deixa o botão pular.
Falo silenciosamente com Deus e imagino quantos pedidos estranhos como este Ele tem recebido. Sim, peço saúde, paz, paciência, discernimento. Só que vez ou outra me dou ao direito de pedir estas bobagens instantâneas, como me ajudar a prender o xixi até chegar em casa, o botão da calça não pular no rosto do paciente, ter espaço na barriga para comer o segundo prato de sobremesa. Eita!
– Entendi, Pai. Foi este pedido que fiz repetidas vezes ultimamente que me levou à calças apertadas. Perdão por pedir tolices.
Mas Ele, como Pai amoroso e compreensível, deixou-me comer umas sobremesas a mais e segurou o botão de minha roupa também. Claro que com certo incômodo, para eu entender que o excesso de pães, bolos, croissants e pizzas resultaria nisso.
Termino o atendimento feliz por meu retorno, na mesma proporção que estou angustiada com este aperto de gordurinhas na barriga. Ao voltar para o carro, solto o famigerado botão.
Que alívio! Gente, que alívio! Fiquei alguns segundos sentindo a alegria contida no simples fato de voltar a atender e de não explodir como imaginava e, principalmente, de Deus me ouvir nos pedidos mais insanos.
Este foi um deles…
Era necessário…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, Professora universitária e Escritora