QUE CHATICE! –
Entramos no carro e nos damos conta que permanecemos de máscaras.
– Seria necessário uso de máscara dentro do carro, só nós dois? – pergunto sorrindo.
– Claro que não!
– Então, por que não tiramos?
– Acho que criamos o hábito.
Criamos novos hábitos. Máscaras, álcool, sapatos que não entram em casa… Ele, enfim, decide tirar a máscara. Eu tento e não consigo. Parece-me errado… Coisas de minha cabeça, eu sei. Continuamos seguindo nosso caminho e uma placa me faz lembrar uma pessoa. O cérebro acelera em suas sinapses. Recordo-me de um acontecimento, e, de supetão, solto a reflexão:
– Chatice tem diferentes graus!
Ele me olha assustado e responde:
– Não. Chatice é só chatice. Já é suficiente. Chato é chato.
– Não concordo.
Começamos o debate: chatice é qualitativa ou quantitativa? Ele diz que é qualitativa. A pessoa é chata. Ou não! Racionalismo masculino.
Digo que é quantitativa. Existem níveis de chatice. Alguns são fáceis de aturar, outros insuportáveis. Etiquetamento e categorização: características femininas.
Ele exemplifica a opinião dele, eu a minha. Algum de nós está certo?
Continuo meu discurso. Temos chatices tranquilas de aturar. A pessoa é chata, mas tem coração bom. Ele diz que estou misturando as coisas. Você pode ser chato ou não e pode ter coração bom ou não. São coisas independentes. Concordo que são coisas diferentes, mas o nível de chatice me diz se MEU coração aguenta aquela pessoa. Não é assim? Tem chatices insossas, puras. A pessoa é chatinha, mas boa gente. Você não convive com ela diariamente. Um dia ou outro dá para aguentar. Tem aquele chato grudento, pegajoso, irritante, que te faz enfiar a cara no celular ou entrar numa loja no shopping para não precisar ouvir todas as reclamações que “O Senhor” ou “A Senhora Chatice” tem para fazer… Só eu tenho esta sensação? Digam-me que não!
Depois de alguns exemplos, já chegando em casa, ele se dá por vencido:
– Você está certa. Chatice é quantitativa.
Fui chata na insistência! Abrimos a porta e nosso caçula pergunta:
– Mamãe está certa em quê?
Retornamos ao início da conversa. Lá vamos nós explicar nossos pontos de vista. Após ouvir a mãe e o pai, ele nem para para pensar. De cara diz:
– Mamãe está certa! Tem vários níveis de chatice. Tem umas que eu aguento de boa, mas tem aquelas pessoas… que eu não consigo conversar.
Ele sai da cozinha segurando um pacote de biscoitos, andando como se aquilo que ele acabou de confirmar fosse uma verdade absoluta e nós, seus pais, fôssemos loucos em questionar a veracidade. Para que esta discussão?
Não sei… Sei que hoje estou muito chata! Descobri que “venci” essa batalha de qualificação da chatice. Entretanto, perdi feio a guerra. No comecinho da pandemia eu afirmei com todas as letras que nós – o mundo! – sairíamos pessoas melhores disto tudo. Aprenderíamos o que realmente tem valor e passaríamos a ver o próximo com mais delicadeza. Ele discordou de mim veementemente! Disse que os bons continuariam bons. Os maus continuariam maus.
– Por quê?
– Porque nem sempre queremos aprender!
Eu perdi. Ele ganhou. Uma pena. Fiquei com preguiça disso… Estou chata… Nível avançado!
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista e Professora universitária