Um papelão com uma bandeira do Brasil desenhada foi o sinal para um encontro que permitiu que três brasileiros conseguissem deixar a Ucrânia na segunda-feira (28) após cinco dias de peregrinação e filas nas fronteiras.
Quem carregava o papelão era Clara Magalhães Martins, de 31 anos, que entrou no país em guerra exatamente na busca pelos compatriotas para ajudá-los a cruzar a fronteira. Clara faz parte da linha de frente do grupo Frente BrazUcra, que já conseguiu resgatar pelo menos 120 pessoas desde o início da Guerra na Ucrânia.
Cerca de 30 pessoas foram resgatadas pelos próprios voluntários que entraram no país em guerra. As demais receberam informações, através de um aplicativo de mensagens, sobre rotas seguras e as melhores fronteiras para fugirem.
O grupo também tem distribuído alimentos, água e medicamentos para pessoas nas filas das fronteiras.
O grupo no aplicativo de mensagens atualmente conta com quase 1 mil pessoas que compartilham informações e oferecem apoio. Cerca de 30 fazem parte diretamente da organização da Frente BrazUcra.
Como começou?
Natural de São Paulo, Clara mora desde agosto do ano passado em Leipzig, na Alemanha, onde cursa um MBA. Assim que a guerra teve início, ela ofereceu, em uma rede social, moradia para aqueles que fugissem da Ucrânia. Outras pessoas também se voluntariaram dessa forma e foi daí que surgiu o grupo.
“Rapidamente a gente viu que essa era a menor das preocupações. O grande problema era que as pessoas não estavam conseguindo sair da Ucrânia. O grupo se montou rápido para uma operação de resgate e de logística”, explicou.
Clara, então, saiu da cidade e dirigiu por 15 horas até a fronteira polonesa com a Ucrânia. Lá, dormiu as duas primeiras noites dentro do próprio veículo. No domingo, conseguiu entrar na Ucrânia pela fronteira de Medyka, quando resgatou dois jogadores de futebol e a esposa de um deles.
“Entrar na Ucrânia não estava nos meus planos de vida, num momento de conflito armado, mas a gente vai porque abriu a possibilidade. Eu sabia que tinha três brasileiros ali que precisavam de resgate. Acabei entrando. Por sorte e por minha bandeirinha de papelão, a gente acabou se encontrando e consegui fazer a saída de forma segura”, relatou Clara.
O que viu ao entrar no país em guerra e encarar as filas, ela descreve que foi “uma situação muito triste, pesada”.
“As pessoas em filas muito longas, especialmente na fronteira entre Polônia e Ucrânia. Sem comida, sem água, precisando de medicamento. Muitos bebês, crianças pequenas e idosos”, contou Clara.
Distribuição de mantimentos
Diante da situação, o grupo Frente BrazUcra passou a comprar comida, água e medicamentos para oferecer às pessoas que estão na fronteira enfrentando filas para saírem da Ucrânia.
“Na primeira leva de doações, eu vim com o porta-malas cheio. Eu gastei 100 euros e achei que tinha bastante comida e água. Depois que você entra que você vê: se tem um milímetro que cabe coisa no carro, você vai comprar coisa pra encher o carro“, pontuou.
Ela tenta entrar na Ucrânia novamente com uma nova carga de mantimentos nesta terça-feira (1º). “Nesse carro eu tenho quase 1 mil euros em remédios e mais de 1,5 mil em comida e água. Se a gente entra, a gente leva esse mantimento. E é pra todo mundo. Quem precisa, a gente entrega”, relata.
Tudo, no primeiro momento, saiu do bolso dos próprios voluntários. Recentemente, eles abriram um canal de doaçõespara quem também puder ajudar com valores através de plataformas de financiamento coletivos. O grupo alerta ainda para perfis falsos e diz ainda que não recebe valores por Pix.
Equipe nas fronteiras
Além de Clara, outros quatro brasileiros pelo menos também tem atuado nas fronteiras para resgatar compatriotas. E essa missão tem sido complicada.
Para entrar na Ucrânia pela primeira vez, a paulistana conta que levou três horas na fila. Já para cruzar a fronteira de volta, foram 17 horas.
Ela diz que a região em que tem atuado dá uma sensação de mais segurança em meio à guerra. Apesar disso, não sabe até quando terá a possibilidade de ajudar a resgatar brasileiros e entrar com mantimentos no país.
“A gente sente que a urgência está ficando maior e que a nossa janela de atuação diminui expressivamente a cada hora. Então, do meu lado, eu sinto, não um desespero, mas uma pressa em entrar”.
Equipe de apoio
Além das pessoas em campo, que atuam entrando as fronteiras, o grupo conta também com uma equipe que organiza as informações em várias frentes do ponto do vista logístico e de informações.
A psicanalista e professora Mary Elaine, que mora em Zgorzelec, na Polônia, tem atuado de maneira remota na Frente BrazUcra. Ela faz parte da equipe que transmite informações atualizadas a brasileiros na Ucrânia através dos aplicativos de mensagem.
Entre as principais tarefas, estão buscar e traçar rotas seguras diariamente, além de reunir mais voluntários.
“Até que ela chegue na fronteira, preciso dar todo o suporte de forma remota, conectando meu voluntário, porque preciso saber quantas horas ele vai precisar pra chegar e se a fronteira mais próxima está sendo possível de atravessar”, conta.
Guerra na Ucrânia
A Rússia, com autorização do presidente, Vladimir Putin, iniciou na madrugada de 24 de fevereiro uma ampla operação militar para invadir a Ucrânia. Há imagens de explosões e movimentações de tanques em diferentes cidades ucranianas. Putin disse às forças ucranianas que deponham as armas e voltem para casa.
“Quem tentar interferir ou, ainda mais, criar ameaças para o nosso país e nosso povo, deve saber que a resposta da Rússia será imediata e levará a consequências como nunca antes experimentado na história”, ameaçou. Veja no mapa abaixo.
A operação iniciou no leste da Ucrânia mas foi além da região de Donbass e diversas cidades ao longo de toda a fronteira ucraniana foram bombardeadas.
Fonte: G1RN