QUEM NUNCA…
Tenho um apreço grande pela saudade, ela me faz companhia nos dias de solidão. Penso o que seria de nós sem as nossas memórias, sem as lembranças que nos foram caras e que estão guardadas nos achados de memória, que são revisitadas cada vez que a saudade chega. Tão bom quanto viver o real é se deleitar nas lembranças do que foi bom. Uma das coisas que gosto (acredito que mais gente também goste) é recordar ao som de boa música momentos que ficaram eternizados na memória. Ainda há quem tenha o atrevimento de dizer:
– Não se apaixone! – Que destempero.
Por sorte, sou rebelde e com uma tendência incontrolável em seguir meus instintos. Ainda bem. Agora, imagine uma situação hipotética, se paro em frente a uma vitrine, vejo um belíssimo par de sapatos ao lado daquela bolsa, que povoou meu imaginário por noites adentro, me tirando o sono e quando este vinha, era nos sonhos que eu continuava a pensar neles, como não me apaixonar? Como hei de chegar em casa e não lembrar dos sapatos e da bolsa que são perfeitos no look com o body de oncinha de uma alça só, calça marrom, super justa – que levei séculos para encontrar – e blazer caramelo. Peças que estão, a mais ou menos, umas duas semanas, guardadas no guarda-roupas esperando a ocasião certa para se “amostrarem”, para esbanjar a paixão pela qual fui tomada.
Loucura seria se eu não entrasse naquela loja, naquele instante, e não realizasse o casamento bígamo entre eu, o sapato e a bolsa, felizmente sou uma pessoa que mantem a mente aberta para relações livres e sem cargas de preconceito. Que somos seres errantes, isso sabemos que somos, desde os primeiros tempos, e daí? Cada um de nós, com seus sonhos e desejos, peculiares ou rotineiros, pecadores e humanos, acabamos por sucumbir, de uma forma ou de outra, em algum momento. Ah, isso não há como negar, principalmente quando somos tentados em nosso ponto fraco.
Essa danada paixão… A culpa é dela, que nos ilude com sensações maravilhosas. Transporta-nos, a paixão, para um estado de dormência e alívio das dores da alma, revigorando nosso ser a cada vez que nos apaixonamos por alguém, pelo bichinho de estimação do vizinho, pelo vestido na vitrine- que custa três vezes mais que o salário que ganhamos ou mesmo pela caneca de café do nosso colega de trabalho, da mesa ao lado.
Todas as vezes que nos apaixonamos entramos no estado de transe, provocados por doses maravilhosas de dopamina, nos proporcionando sensações de alivio, prazer e bem-estar; euforia, desejo, tremores e rubores. Um coquetel delicioso de sentimentos que nos rejuvenesce e nos torna mais ativos e vivos.
Essas foram, exatamente, as sensações que tive ao ver o par de sapatos e a bolsa naquela vitrine… rolou uma química, a química da paixão. Não tenho dúvidas, foi amor à primeira vista. (In)felizmente descobri que sou louca, isso mesmo, fui forte o bastante para não sucumbir ao meu desejo profano do consumismo…
Por hora, vou me apaixonando pelos silêncios e ausências, pelas faltas e perdas, ressignificando a paixão e lembranças pelos novos e velhos amores. Construindo olhares e tendências sobre as novas formas de amar e se apaixonar. É isso, quem nunca se apaixonou é doido ou não bate bem da cabeça, não sabe o que está perdendo. E tenho dito!
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, flaviarruda71@gmail.com
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