Carlos Alberto Josuá Costa

Um sábado de Novembro.

Pousada Chalés dos Cajueiros, Lagoa Nova/RN, cidade serrana, 730m de altitude, temperatura 17° C. Essa precisão é para situar exatamente onde ela estava. Ela quem?

Coloquei a cadeira ao lado para uma leitura descompromissada com o tempo, mas meus pensamentos vagavam em outra direção: o de quantos a utilizaram para chorar os amores perdidos, a saudade sentida ou ainda realçar as emoções atuais.

Era uma radiola de fichas!

Pude até me transportar para o ambiente dos salões que recebiam aqueles, que em busca de “prazer” se desprendiam do cotidiano, ao som de um lamento amoroso.

– Eu e a Solidão (Fernando Mendes)

-Selva sem Você (Bartô Galeno)

-Brincar de Amor (Roberta Miranda)

-Quarto Negro (Amado Batista)

-Tão Sofrido (Reginaldo Rossi)

Em cada mesa, uma história de amor vivida ou em curso, todas elas recheadas de paixão ou sofrimento.

Não tinha idade. Confidências contadas. Todos conheciam a dosagem do bálsamo para sua necessidade (dor).

O desfile de olhares cúmplices de desejos momentâneos povoava a fantasia costurada momento a momento, até o beijo da conquista.

As razões pelas quais cada corpo feminino bailava de forma sensual, para atrair ou ser atraída, tinha na maioria das vezes origem em uma “tragédia” familiar ou amorosa, que ao julgamento da moral vigente, não permitia a convivência na pracinha da igreja, nem a graça de ser abençoada.

Não restava um “céu” ou um “inferno” que abrigasse tal infortúnio.

Malas prontas (um saco de pano ou uma maleta de madeira amarelada com alça de metal).

Sob os olhares críticos, curiosos e desejosos dos “cabritos novos”, recriminação das donzelas e desprezo dos pais, um adeus sofrido, contido nas entranhas de um ser humano.

Destino: A casa da luz vermelha!

Sujeita a regras disciplinares e a uma divisão financeira desigual, restava apenas esperar cada noite para vender “alívio” físico, e muita das vezes, emocional.

O que se passava durante o dia? Em que seus pensamentos remontavam? Em que esperanças se firmavam? O passado existe ou apenas o tempo presente, impulsionado para o amanhã imediato?

Um gole, uma ficha na radiola, uma música, um sorriso, um olhar, um acerto.

A noite varava a madrugada e os amores perdidos e achados se uniam na devassidão e luxúria.

“Os abajours foram acessos deixando a sala à meia luz”, do conto, ‘Sempre Amor’, de Ismênia Cardoso.

Do poema de Julia Cedraz, “extraio” a primeira estrofe:

Vagueiam suavemente os teus olhares
Ao rosto sobe-me sangue tímido
Em teu manto envolvestes
Até que o amor esquivo
Já se tendo tornado corajoso
Só inocência me resta
Para resgatar meu coração honrado
Presos na armadilha do amado…”.

Essa radiola ainda toca? Num suspiro só, Gilberto Gomes e Maria Eliane (proprietários da Pousada): “Toca sim! Mas tem uma ficha encalhada. Tenho que desmontá-la”.

Qual terá sido a última música tocada? Vou apostar em “Tango Triste” composição de Oswaldo Souza/Haroldo José, que em sua parte inicial expressa:

“Tango, tango triste / Leva ao mundo esta mensagem de amor / Diga a ela porque eu estou sofrendo / E que ela é, a causa desta minha dor / Tango, tango triste / Neste mundo, ninguém sofre mais que eu / A alegria que existia no meu peito / Por causa dela, pouco a pouco já morreu…”.

Ou ainda em “Vermelho 27”, cantado por Nelson Gonçalves, que tantas vezes ouvi com meu pai, Ranilson Costa, em fita cassete BASF:

“Jogo no pano… jogo… feito! Vermelho 27! / Esse homem que hoje passa maltrapilho / Fracassado no seu traje furta-cor/Um dia já foi homem, teve amigos / Teve amores, mas nunca teve amor / Soberano da roleta e da campista / Foi sua majestade o jogador! / Vermelho vinte e sete/Seu dinheiro mil mulheres conquistou…”

Contemplo o ambiente da pousada, deslizo os dedos pelo teclado numérico, percorro a relação das músicas e, mentalmente me alio aos que dela embalaram sonhos e pesadelos, em tantas histórias de amor.

Bem que gostaria de selecionar a música n° 5 ou a 39 ou ainda a 53, em respeito àquelas que desnudadas, vestiam-se no impudor do olhar.

“E eu te farei as vontades / Direi meias verdades / Sempre à meia luz / E te farei, vaidoso, supor / Que és o maior e que me possuis” (Folhetim, 1977, Chico Buarque).

Os abajours foram apagados.

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil e Consultor (josuacosta@uol.com.br)

Ponto de Vista

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