RAIMUNDO SOARES, UM EXEMPLO – Rafael Bruno Fernandes de Negreiros

RAIMUNDO SOARES, UM EXEMPLO –

Ele não tem onde cair vivo, porque morto cai em qualquer lugar. Sempre foi um boêmio inveterado, uma espécie de Zé Areia com status (bote status nisso) cultural, mas para dizer a verdade, Raimundo Soares de Souza, ex-prefeito de Mossoró, ex-suplente de deputado federal, é uma das maiores inteligências que me foi dado conhecer até hoje.

Dramático, quando a ocasião exige, vibrante num comício, de um agudo espírito de autocrítica, Raimundo possui as virtudes e todos os defeitos do homem inteligente em demasia. Pode-se dizer, sem nenhum exagero, que Raimundo Soares é uma espécie de homem deslocado no tempo e no espaço, uma inteligência tão aguda e tão profunda que causa espanto esse homem não ter até hoje escrito um livro, dispersivo por natureza, e isso é próprio dos homens cuja meta é o infinito.

Excelente jogador de snooker, cantor de méritos, acompanhante de forrós, se a ocasião assim o exigir, Raimundo é múltiplo de si mesmo, é uma espécie de homem imprevisível, que produz uma defesa tão brilhante que derruba qualquer causídico no Supremo Tribunal federal, não é sequer o homem dos sete instrumentos, é mais, muito mais, é um homem que a vida no seu dia a dia, mostra raramente.

Há uma faceta que pouca gente conhece nele: já tendo participado de centenas e centenas de brincadeiras, Raimundo nunca conseguiu na vida um inimigo, nunca ninguém o viu falando de alguém à sorrelfa, é sempre brilhante no ostracismo ou no poder, porque ele tem algo de intemporal sobre sua cabeça, ou mesmo dentro do seu cérebro.

Ninguém pode defini-lo em poucas palavras; o certo é que a lei da hereditariedade será provada completamente, quando se vê o seu filho Silvério, médico em Natal, sua cópia fiel, íntegra, de corpo inteiro, um Raimundo Soares mais gordo e mais brincalhão ainda.

Conhecer Raimundo Soares é uma dádiva dos céus: mas conhecê-lo em profundidade e com ele conversar demoradamente é muito mais, é aprender muita coisa que existe sobre o céu e a terra e que, na sua ótica precisa e completa, é analisada sem arrodeios.

Na verdade Raimundo Soares tem apenas um defeito, que talvez seja considerado grave, gravíssimo, na sociedade argentária em que vivemos: o homem padece de uma doença incurável e terrível, uma doença pertinaz e traiçoeira, porque, apavorem-se todos, o homem é pobre, é paupérrimo, mas nem por isso deixa de ser reconhecido como um dos maiores cérebros que o Rio Grande do Norte produziu até hoje.

Se falta de dinheiro for defeito então Raimundo Soares estará perdido. Mas se é este o seu único defeito, ele tem tantas virtudes, tantos méritos, que sua inteligência atinge os limites da realidade, fala de improviso com uma rapidez espantosa, é jurista, é uma capacidade fulgurante e rara, muito rara, nos tempos que correm.

Mas como esse mundo é paradoxal e inexplicável, que ninguém vá dizer que ele é brilhante: com um ar de enfado ele muda de assunto rapidamente e até mesmo fica agastado, como se estivesse recebendo um insulto, cara a cara.

Quando tanta gente cultua o dinheiro como o veículo de tudo, é engraçado ver a absoluta displicência de Raimundo, com relação ao chamado vil metal, que de fato envilece e envelhece muita gente, com perdão do trocadilho.

Eis aí um homem singular, uma avis rara dos dias que correm. Ele poderia dizer como Mercedes Soza, que tem tantos irmãos, tantos amigos, que todos cultuam um único ideal – a liberdade, o direito de ir e vir, de viver livre do guante da desgraça que assola muita gente neste mundo – a ambição.

Raimundo é o exemplo perfeito de quem vive o dia como se vivesse toda a vida.

Incrível, não é mesmo?

Raimundo Soares de Souza nasceu em Caraúbas em 1º de julho de 1920 (portanto, é o centenário do seu nascimento) e faleceu em Natal em 30 de outubro de 1996, aos 76 anos de idade. Rafael Negreiros, o autor do artigo, nasceu em 15 de outubro de 1924 e faleceu em 04 de abril de 1994, aos 69 anos de idade. Obviamente, quando o artigo foi escrito ambos gozavam de saúde. Paulo Negreiros, filho de Rafael, sempre atento aos fatos, republica o artigo.

 

Rafael Bruno Fernandes de Negreiros

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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