Por isso, é comum a conclusão, rasa como um pires, dos que enxergam um contra no debate das idéias. Tanto mais se sabemos – e não é segredo – dos que chegam à vida pública escolados numa prática permissiva e carreirista. Muito mais nos últimos anos, quando os detentores de mandato alcançaram a vida pública sem a boa escola da política estudantil que formava nos bons líderes o espírito público. Mesmo filhos de um bacharelismo que moldou tão bem a arte da retórica política.
É bem comum enfrentar o despreparo e a intolerância dos políticos jovens, estes por incúria intelectual; ou aquelas velhas raposas, estas eivadas de vícios. Subsiste, em uns e noutros, ao arrepio de uma mínima formação, uma falta de consciência crítica. Para eles, não basta preservar a crítica dos extremos sempre perigosos – o sectarismo e o vazio de argumentação. São tão despreparados que a argumentação sequer se sustenta. Quase sempre esbravejam e substituem argumento por desaforo.
A penúria intelectual, Senhor Redator, faz parte daqueles males inescapáveis do espírito. Não há como corrigi-la, muito mais se, à sua ausência, ainda se somam insensibilidade, falta de argúcia e experiência no trato com os que pensam de forma diferente. Nem por isso, felizmente, os áulicos da ignorância sepultarão a grande contribuição de Immanuel Kant e a sua Crítica da Razão Pura. E isto por mais que ostentem o poder nas belas dragonas da patente ou no broche que reluz em suas lapelas.
No fim, é ruim que o voto eleja e os cofres públicos mantenham políticos e executivos e a eles se garanta o poder decisório sem consciência do que fazem. Alguns, apenas chegados ao pugilato com as palavras e nos arreganhos desaforados que substituem a arte da formulação que ontem foi tão preciosa nas gerações passadas. Parece até que, neles, o aparelho fonador não tem apenas a função mecânica de articular palavras, mas substitui o cérebro e, assim, o refinado exercício da cerebração.
Nestes 45 anos de jornalismo diário, desde 1970, e como editor de jornal, estive muitas vezes diante de declarações primorosamente elaboradas e fortes. Capazes de desmontar afirmações as mais perfeitas aparentemente. Mas, também de reações bovinas quando o gado humano rumina no lugar da elaboração cerebral. A democracia elege e diploma os vencedores, sim. Mas o voto não é cataplasma a remediar a peste da ignorância. Cada um abre sua boca e fala como é. E como foi forjado para ser.
Vicente Serejo – jornalista e escritor