RECOMEÇOS – 

Levei as mãos, a cabeça e pensei em voz alta:

– Tô cheia de coisas para resolver, não sei por onde começar.

Meu amigo saltou de lá, com mais uma de suas pérolas:

– Pois comece do início do princípio do começo, simples assim.

Ele tinha razão. Era chegado o momento dos desapegos e recomeços, ainda mais que o choro estava preso, entalado em minha garganta. Eu me sentia sufocada; quanto mais puxava o ar mais turvas ficavam minhas compreensões. Precisava, a todo custo, voltar a respirar, pôr para fora todas as angústias e incertezas, enxotar os medos e expurgar os espectros que rondavam meus espaços.

Tomei para mim aquela frase, a pérola do meu amigo, e assim parti; comecei meu recomeço indo para o início, lá no princípio do recomeço… Mas, como assim? Início? Princípio? Começo? Recomeço? Onde cada um fica, onde cada um está? Seria o começo o início de algum princípio do recomeçar? Não sei ao certo, mas a única certeza, naquele momento, era que eu precisava desconstruir algumas histórias mal resolvidas, para só depois reconstruir com sensatez alguns bobos enganos, elevando para o topo das memórias apenas o que fosse fundamental para as viradas de páginas e, só assim, (re)começar um novo capítulo dessa velha/nova história.

Já escrevi outras vezes sobre recomeços, e acho que escreverei tantas outras mais, partindo da suposição de que a vida é feita de recomeços, reinícios e renovações de ciclos, isto, até que o ciclo se feche por completo. No entanto, enquanto não acontece, vamos renovando nossos dias, mudando rotinas, trocando de pele, amadurecendo os instintos impulsionados pela necessidade de apaziguar a alma atormentada pelos sentimentos pungentes.

Bom, meus caros, comecei por mudar a cor da muda de roupa para aquele dia de trabalho: saí do usual pretinho nunca básico para um verde limão com detalhes rosa, também nada básico. A ideia não seria chocar com a radicalidade dos tons fluorescentes, na verdade a escolha da vestimenta foi reflexo de uma necessidade de buscar luz, rasgar do ser a luminosidade ofuscada pelas sombras de tempos estranhos.

Sim, recomeçar pode ser difícil, porém necessário, ainda mais quando as coisas não estão nos agradando, quando há algo que incomoda, como aquela pedra no sapato. Afinal, nem sempre recomeçamos quando as coisas estão indo bem. Se bem que o start pode acontecer no auge do sucesso e não necessariamente diante de dificuldades ou fracassos. Portanto, devemos ter bons olhos quanto aos estados de mudanças e transições. Eu mesma amo mudar, mudar os móveis de lugar, o corte e cor dos cabelos, os estilos de roupas, mudar de amores, lugares, atividades, livros… Tudo que muda me atrai, talvez por ser indisciplinada e não conseguir me manter em rotinas entediantes. O novo me fascina. Gosto de desafios, de ser desafiada. Bem próprio das mudanças.

E sabe do que mais? Ainda bem que existem recomeços e mudanças, acho que é uma necessidade básica de sobrevivência, proteção e crescimento pessoal. Afinal, quem nunca colecionou saudades, lembranças, ciclos “infecháveis”, sonhos não realizados e amores mal resolvidos que atire a primeira pedra. Daí a necessidade de descontruir coisas, espaços, lembranças, amores para só então remontar/reconstruir as partes que nos cabe com os novos recomeços e seguir para o início do princípio do começo, simples assim.

 

 

 

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, [email protected]

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