REENCONTREI POLIANA – 

Fui filha única por sete anos. A solidão foi substituída pelos companheiros constantes: os livros e as bonecas fofoletes, além de minha inseparável Emília. Não vejo isto com tristeza, mas acredito que é o tipo de coisa que nos molda para toda a vida.

Nas férias, arrumava minha mala e me mudava para Campina Grande, onde mora, ainda hoje, a família de papai. Isto para mim era incrível! Ter pessoas de minha idade o tempo todo próximas a mim… Como não ser feliz?

Os dias se passavam entre jogos de queimada e partidas de War. Nenhum jogo de bola me animava. Mas, o War me cativava, com seu mapa, as estratégias e os objetivos. Sempre escolhia o exército azul, pois tinha uma pecinha quebrada, cheia de rugosidade, completamente diferente das peças perfeitas e lisinhas de todas as caixinhas. Então, ao escutar a palavra WAR eu já dizia:

– O meu exército é o azul!

Até hoje é isto que faço quando, raramente, conseguimos jogar em família.

Claro que crianças e adolescentes também cansam. E, em meio àquela correria de banhos de piscina até os cabelos ficarem esverdeados, vôlei ou baralho, o marasmo nos dominava e eu encolhia-me em meu cantinho com um livro. Sempre os livros.

Foi assim que fui apresentada à Poliana, aquela menina sardenta e cheia de vida, que passava a vida jogando o JOGO DO CONTENTE. Poliana me fez companhia em vários momentos em uma destas férias e me despedi dela, lembro ainda hoje, com saudade.

Nestes dias, reencontrei-me com Poliana. Foi repaginada! Encontrei-a em meio à luminosidade do Kindle, com gravuras fofas e bem feitas. Ela continua aquela menina sardenta e cheia de vida, que tem um coração enorme e os pensamentos nas nuvens. E eu… Eu mudei bastante. Os anos (mais de três décadas!), me deram alguns quilos a mais e meu cabelo escureceu. Sinto dores na coluna e o grau dos óculos aumentou. Sem reclamações, por favor! Tenho uma profissão que amo, um casamento que cultivo diariamente com carinho e dois filhos que nos enchem de gratidão a Deus. Porém, a certeza de que as pessoas são sempre honestas e a maldade não existe ficaram para trás.

Ao reencontrar a garota, olhei-a timidamente, como fazemos ao encontrar um amigo que não vemos a muito tempo. Ficamos tentando resgatar em nossa memória como era nosso vínculo, os nomes de seus parentes, onde morava. Depois de algum tempo a conversa já flui normalmente e as gargalhadas surgem de forma espontânea, mostrando que as rugas e as unhas agora sempre pintadas não mudaram minha essência.

Decidi reler Poliana como forma de reerguer (em mim) o hábito do Jogo do Contente. Às vezes a vida se mostra meio dura, meio áspera, meio adulta demais. Nestes momentos, alguns resgates de nossa infância fazem um bem enorme. Assim como a família. Assim como os amigos. Mesmo que sejam alguns personagens de um livro de época há muito esquecido na prateleira… Sempre serão um afago à alma…

 

 

 

 

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, professora universitária e escritora

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