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Relatório aponta indícios de mau uso de verbas federais na Saúde em municípios do RN, diz MPF

Fachada do Ministério da Saúde na Esplanada dos Ministérios

Um relatório produzido no Rio Grande do Norte aponta indícios de mau uso de recursos federais para a Saúde em municípios do estado, segundo o Ministério Público Federal. Segundo o documento, cidades registraram números de exames e outros serviços do SUS dezenas ou até centenas de vezes maiores que a quantidade de habitantes.

De acordo com o documento, o aumento do número de procedimentos acompanha o aumento de repasses de emendas parlamentares – como as do orçamento secreto instituído em 2020.

O Ministério Público Federal (MPF) determinou o envio do relatório aos órgãos responsáveis para apuração.

Em Antônio Martins, por exemplo, o serviço de saúde teria realizado 120 testes de glicemia por habitante, somente entre janeiro e julho deste ano, “o que equivale a realizar o teste a cada 42 horas em toda a população”.

O portal g1 ligou para o número de telefone informado no site da prefeitura para solicitar um posicionamento do município sobre o assunto, mas as ligações não foram atendidas.

Responsável por acompanhar o trabalho técnico que gerou o relatório, o procurador da República Fernando Rocha considerou que o levantamento alerta para a necessidade de mais investigações para se concluir sobre a possibilidade, ou não, da prática de crimes contra os cofres públicos.

“Não podemos ainda apontar responsáveis, nem especificar as irregularidades, mas claramente os números demonstram existir algo muito, muito errado”, disse.

O procurador da república afirmou que, levando em conta os dados coletados, “é possível identificar que a partir de 2020 – que coincide com a execução das denominadas emendas de relator RP9 (o chamado “orçamento secreto”) – nos diversos municípios pesquisados houve um brusco e acentuado aumento dos procedimentos de saúde, muitos dos quais incompatíveis com as médias populacionais”.

O documento é resultado de um acordo de cooperação técnica firmado entre o MPF, a UFRN e o Departamento Nacional de Auditoria do SUS.

Segundo o relatório, os dados podem refletir desde erros nos registros, até manipulações cujo objetivo pode ter sido “criar procedimentos” para justificar o envio e o desvio das verbas federais.

Relatório

O relatório foi produzido pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (Lais/UFRN). O documento destaca casos como os do município de Olho D’água do Borges, onde registrou-se a aferição de pressão arterial equivalente a 228 vezes em cada habitante no ano de 2020.

“Pode ter sido um erro de digitação. Não sei. Terei que ver com a secretaria de saúde, até por que faz um tempo”, afirmou a prefeita do município, Maria Helena (PSDB) ao ser procurada pelo portal g1. Outra resposta sobre o assunto não foi enviada pela gestora até a última atualização desta matéria.

Em uma das cidades analisadas, foi constatado um número de “dispensações de medicamentos” (entrega do remédio ao paciente) 226 vezes superior ao da população, no ano de 2017. No mesmo ano, outro município realizou 117 exames de urina por habitante.

Em sete meses de 2022, em Carnaúba dos Dantas, foram registrados o equivalente a 108 “atendimentos de urgência em atenção primária com remoção” por morador. O g1 ligou para a prefeitura por meio do telefone informado no site, mas não teve as ligações atendidas.

Orçamento secreto

Em 2020 foi aprovado o chamado “orçamento secreto”, permitindo aos parlamentares a administração de verbas federais de forma anônima. O Tribunal de Contas da União (TCU) já alertou para os riscos decorrentes desse novo instrumento de distribuição de recursos públicos.

O objetivo do relatório do Lais/UFRN foi apresentar à Auditoria do SUS (AudSus) uma análise da produção da rede assistencial do sistema no Rio Grande do Norte e seus municípios. Foram observados onde os procedimentos ocorreram, qual a incidência e quais desses foram considerados como indícios de irregularidade ou de possível anormalidade.

Apenas os procedimentos considerados ambulatoriais puderam ser analisados. “A ausência dos demais dados da APS (atenção primária à saúde) inviabiliza uma análise mais aprofundada do estudo em tela”, diz o relatório.

Transparência

 

Em relação a todas as emendas (que somam R$ 1,07 bilhão no período analisado), o ano de 2021 superou os valores de 2020 em 163,4%. E, nos sete primeiros meses, 2022 já superou o total de 2021 em R$ 18,6 milhões.

Levando em conta somente as do “orçamento secreto” os municípios receberam R$ 202 milhões nos últimos três anos, com um aumento de 463,8% entre 2020 e 2021.

Em seu despacho, o representante do MPF indica que o advento dessa nova modalidade de emenda resultou em diminuição da transparência, dificultando o controle por parte dos órgãos de fiscalização.

“Para além da maior dificuldade de se identificar o destino desses recursos, o relatório revela a impossibilidade técnica de se saber qual parlamentar foi o proponente das emendas. Tais características da nova sistemática inaugurada em 2020 desestabiliza o sistema de controle dos recursos públicos, permitindo que o gestor destinatário fique absolutamente livre de fiscalização e controle, o que é inconcebível pelos valores republicanos pressupostos na Constituição Federal”, resume o procurador.

Uma das considerações dos autores do relatório diz respeito à fragilidade dos sistemas de informação do SUS, que não foram capazes de alertar os gestores e autoridades de saúde pública quanto às “anomalias” ocorridas.

“Aspecto que contribui, também, para que esse tipo de problema se propague e seja recorrente”, reforça. Os pesquisadores destacam também que as plataformas atualmente disponíveis nos municípios não apresentam para a população uma área pública de transparência, que possa ser utilizada para o controle social, o que ajudaria na fiscalização pela população e pela imprensa.

“Neste contexto, os resultados desse relatório apontaram diversas inconsistências, as quais podem estar impactando direta e negativamente no orçamento do SUS, devido ao mau uso dos recursos. Se confirmadas tais inconsistências, podem estar impactando, também, na condução das políticas públicas de saúde, pois os gestores, em diversos níveis, estão tomando ou tomaram decisões com base em uma falsa realidade, norteados por dados com pouca ou nenhuma integridade ou fraudulentos”.

Fonte: G1RN

Ponto de Vista

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