Fogo consome terras desmatadas e queimadas por pecuaristas perto de Novo Progresso, no Pará, em 23 de agosto de 2020. — Foto: Andre Penner/AP
Fogo consome terras desmatadas e queimadas por pecuaristas perto de Novo Progresso, no Pará, em 23 de agosto de 2020. — Foto: Andre Penner/AP

Um relatório de auditoria elaborado pela Controladoria Geral da União (CGU) aponta que a gestão do Ministério do Meio Ambiente do governo Bolsonaro colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia e, por conseguinte, uma série de políticas ambientais, ao extinguir de forma unilateral, “sem planejamento e fundamentação técnica” colegiados que formavam a base dessa iniciativa de financiamento.

Criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões provenientes da degradação florestal e do desmatamento, o Fundo Amazônia é considerado uma inciativa pioneira na área, mas está paralisado desde abril de 2019, quando o governo federal fez um “revogaço” de centenas de conselhos federais e com isso extinguiu seus Comitê Orientador (COFA) e Comitê Técnico (CTFA).

De acordo com a CGU, até o último mês de dezembro, o Fundo tinha cerca de R$ 3,2 bilhões parados para a destinação a novos projetos. O montante considera rendimentos gerados ao longo dos últimos anos. Além disso, o relatório aponta ainda que o Fundo possui um crédito de valores a serem arrecadados que podem chegar à ordem dos US$ 20 bilhões.

O documento, obtido pelo portal g1e que inicialmente havia sido despublicado no site da CGU (após ser questionado pela reportagem, o órgão alegou “procedimentos técnicos internos” e disponibilizou novamente o link do arquivo), mostra que durante a gestão dos ministros Ricardo Salles e nos primeiros meses de Joaquim Leite, entre 2019 e 2021, o ministério deixou de apresentar a proposta de recriação dos dois conselhos, mesmo após o fim do prazo legal estabelecido para isso, em 28 de maio de 2019, criando esses ‘impactos negativos’ para as políticas de preservação da Amazônia Legal.

Em 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que o governo federal não recriou o Conselho Orientador do Fundo porque a Noruega e a Alemanha, principais doadores, rejeitaram mudanças no modelo de gestão dos recursos.

Apesar disso, os técnicos da CGU chamam atenção no texto para o fato de que o primeiro registro de reunião realizada com as embaixadas dos países europeus e o Ministério aconteceu somente após o fim do prazo de reestruturação estabelecido pelo decreto que extinguiu o COFA e o CTFA.

Somado a isso, a CGU também aponta que até a data limite não houve esforços por parte da gestão ministerial na busca de consenso com os doadores, ou, ao menos, a apresentação de propostas para a modificação da estrutura de governança do Fundo.

A Alemanha e a Noruega, que juntas foram responsáveis por mais de 99% dos depósitos ao Fundo, suspenderam os repasses em 2019.

“Enquanto o conselho e o comitê técnico para calcular os resultados do desmatamento estiverem fechados, não há lugar para onde enviar o pagamento”, declarou a época o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen.

Para a CGU, a opção do Ministério do Meio Ambiente pela extinção dos comitês foi adotada sem justificativa técnica ou planejamento que incorporasse uma gestão adequada dos riscos associados à decisão.

“O que provocou a suspensão de autorização de novos projetos no âmbito do Fundo e colocou em risco os resultados das políticas públicas por ele apoiadas”, afirma o texto.

No relatório, os auditores também avaliam que não reestruturar os conselhos contribuiu para que o Ministério do Meio Ambiente apresentasse através do fundo propostas “não condizentes com a realidade da região amazônica”, visto que houve um afastamento da participação da sociedade civil e dos estados.

Antes da revogação do governo, o Comitê Orientador (COFA) tinha representantes do governo federal, dos governos estaduais e da sociedade civil. Já o Comitê Técnico era formado por representantes do governo e da sociedade civil, como especialistas independentes que avaliavam o impacto de emissões de gases do efeito estufa resultante do desmatamento.

“A participação da sociedade civil e dos estados no Comitê possibilitava o alcance de mais legitimidade e eficácia nos resultados do Fundo Amazônia, pois tais atores contribuíam com sua experiência acumulada na região amazônica, ajudando na definição de prioridades e legitimando a seleção dos projetos”, afirma o documento da CGU.

Para Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, o relatório apresenta uma síntese do histórico de desmonte do governo federal das políticas ambientais na Amazônia e revela um “plano concreto” para impedir que os projetos financiados pelo fundo avançassem e tivessem uma boa gestão.

“E o resultado disso, na prática, é o que a gente está vendo hoje com o aumento do desmatamento nas alturas”, avalia.

Em abril deste ano, conforme mostrou o portal g1, o Supremo Tribunal Federal derrubou três decretos sobre política ambiental do governo Bolsonaro, incluindo o que extinguiu o Comitê Organizador do Fundo Amazônia.

Embora a deliberação tenha sido celebrada por ambientalistas, na prática, conforme explica a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, desde então, “nada mudou”, pois o julgamento precisa ser completado pela decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54 que pede a reativação do Fundo Amazônia.

“Enquanto isso, permanece bem sucedido o projeto nefasto do governo de implodir com a política ambiental, do qual a paralisação do Fundo Amazônia é um dos símbolos mais claros. Optar por não usar R$ 3,3 bilhões disponíveis, necessários, é uma decisão criminosa, na minha opinião. Quem tomou as decisões precisa ser devidamente responsabilizado”, pontua a especialista.

“Essas ações do STF são o fôlego, o respiro e a esperança de que teremos o cumprimento da lei e daquilo que foi acordado”, acrescenta Kuczach.

Como consta no relatório da CGU, a captação de novos recursos para o fundo ainda está inviabilizada por causa da dissolução do CTFA. Fora isso, os técnicos da CGU citam que uma outra importante consequência da não reestruturação do conselhos, é a possibilidade dos países doadores solicitarem a devolução dos recursos disponíveis que estão paralisados, os R$ 3,2 bilhões.

O que diz o Ministério do Meio Ambiente

No final de maio, o Ministério encaminhou um ofício à CGU sugerindo mudanças de redação do relatório. Algumas solicitações foram acatadas e incorporadas ao texto final da auditoria, mas a CGU avaliou que a pasta “não dispôs de motivação suficiente e coerente para sua decisão” de manter a extinção dos comitês e, por isso, não houve alteração do entendimento da auditoria.

A CGU também recomendou que o ministério construa uma proposta de reestruturação da governança do fundo que seja “fundamentada”, que conte com mais “legitimidade” e que traga não somente estudos técnicos como estimule a participação de antigos setores representados no COFA.

O portal g1 também procurou o MMA questionando o posicionamento da pasta sobre o relatório e se as recomendações da CGU seriam acatadas. Em nota, a pasta disse que as medidas recomendadas “não divergem das medidas administrativas que já vêm sendo adotadas” e que o governo federal “sugeriu alterações nos mecanismos de governança para trazer mais eficiência no uso dos recursos”.

Veja a nota do Ministério do Meio Ambiente, na íntegra:

O Ministério do Meio Ambiente esclarece que as recomendações contidas no Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) não divergem das medidas administrativas que já vêm sendo adotadas internamente por esta pasta.

Ainda, o Governo Federal sugeriu alterações nos mecanismos de governança para trazer mais eficiência no uso dos recursos. Continuamos em negociações com os doadores internacionais e os órgãos envolvidos.

Fonte: G1RN

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