REMINISCÊNCIAS –
História antiga. Gosto de histórias antigas. Esta me leva aos meus primeiros dias de adolescente, início dos anos quarenta, a Segunda Guerra em seu auge, os alemães dominando tudo e ameaçando ocupar o Egito e o Norte da África, uma ameaça ao Atlântico Sul e às Américas, começando por Natal, local mais próximo de Dacar.
Natal se preparando e já começando a viver um clima de guerra. Os americanos já chegando em quantidade por aqui, Parnamirim já ocupada por eles e crescendo em proporções gigantescas. Tropas brasileira das três força chegando à cidade, com a maioria do Exército, óbvio.
Ensaios de ataque à nossa cidade, adoção de “blackout” intenso, sirenes zoando e aviões no ar, com holofotes acesos, voos rasantes. Inicialmente, avisados à população, mais tranquilo por saber que era um ensaio. Depois, anunciando que não dariam mais avisos, os atasques podendo ou não ser verdadeiros.
Claro, todos sabiam que um ataque aéreo alemão era praticamente impossível, mesmo que partissem de Dacar, em poder da França de Vichi, em quem os alemães mandavam, e poderiam a qualquer momento utilizar como base. Poderiam chegar à Natal, mais não tinham autonomia de ida e volta. No entanto, um ataque por submarinos era viável, pois pululavam nos mares nordestinos, onde atacaram a navegação, afundando inclusive navios brasileiros, o que nos levou à guerra,
Obviamente, isso preocupou nossa população. Algumas de nossas praças tiveram abrigos construídos, valas, trincheiras cavadas, que poderiam receber as pessoas em caso de ataque. Lembro-me bem das feitas na Praça Pio X, na época sem nenhuma construção, um campo gramado muito apropriado para tal construção.
Algumas pessoas construíram abrigos em suas casas. Meu pai, na época sócio de uma construtora que trabalhou em Parnamirim para os americanos e em Natal para o Exército, construiu um desses abrigos em nossa casa. Era relativamente grande, onde cabia toda à família e mais outros parentes que moravam na vizinhança. O tempo passou, acabou a guerra, não precisamos usar o abrigo, e eu me esqueci do assunto.
Depois que ele meu pai faleceu, vendemos a casa, já que minha mãe foi morar com uma filha.
Recebi um telefonema do comprador, dizendo que nos serviços que fazia, um caminhão havia caído num buraco estranho no quintal. Também achei estranha a história e fui lá olhar. Já encontrei uma repórter da Tribuna do Norte e mais dois amigos, ligados à criação do Museu da Rampa.
Quando vi o tal “buraco”, me lembrei imediatamente. Era o abrigo que meu pai tinha construído no quintal e que pensava ele o havia soterrado. Apenas havia mantido a tampa da entrada fechada e coberto de areia. O peso do caminhão a havia quebrado, e abrira o acesso ao abrigo. Entramos no abrigo, que estava em perfeitas condições, apenas empoeirado. O repórter me entrevistou, contei o porquê do abrigo, e da única vez que o usamos com uma aparente ameaça de ataque, quando soavam as sirenes sem aviso preliminar. A Tribuna que publicou essa entrevista, com fotos minha entrando no abrigo, com o grupo de pessoas que se formou em redor da entrada, é de 5 de maio de 2000. O abrigo foi construído em 1942/43, a reportagem foi quase 60 anos depois.
Até onde sei, poucas pessoas construíram abrigos em Natal. O outro que me lembro foi do sócio de meu pai na construtoras, Amara Mesquita. Mas, soube que outros foram construídos.
Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN, [email protected]