Depois de ficar quase 1 ano praticamente sem trabalhar, a diarista Lizete Pereira, de 53 anos, voltou a fazer faxina em diferentes casas, mas ainda não conseguiu recuperar a renda de antes do início da pandemia. E nos últimos meses se viu forçada a aceitar ganhar menos pelo dia de trabalho para conseguir novos clientes.
Mesmo com o avanço da vacinação e com o retorno de trabalhadores informais e por conta própria ao mercado de trabalho, a recuperação da economia segue em ritmo lento. Já o rendimento médio dos brasileiros com algum tipo de ocupação está encolhendo e atingiu o valor mais baixo desde 2017.
A renda média real do trabalho ficou em R$ 2.433 no 2º trimestre de 2021, o que representa uma queda de quase 7% na comparação com o mesmo trimestre de 2020 (R$ 2.613) já descontada a inflação do período.
Os números integram levantamento elaborado pela consultoria IDados, com base nos indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do segundo trimestre nos últimos 40 anos, e considera a renda real habitual da ocupação principal do trabalhador. Ou seja, valores já descontando a inflação.
Embora a renda média ainda esteja em nível semelhante ao do valor pré-pandemia, um achatamento ainda maior ao longo dos próximos meses é dado como inevitável em razão do elevado número de desempregados em busca de uma oportunidade e pela retomada dos setores que concentram as remunerações mais baixas.
O pesquisador explica que o aumento da renda real média em 2020 foi uma melhora “artificial”, uma vez que a elevação é explicada pela maior redução do número de ocupados nas atividades com menor remuneração, principalmente, entre trabalhadores informais e por conta própria do setor de serviços, enquanto que trabalhadores com ensino superior e com renda relativamente mais alta foram menos atingidos pelo desemprego.
Mais gente em ocupações que pagam menos
Segundo os últimos números divulgados pelo IBGE, o aumento do número de ocupados no país tem sido puxado pelo trabalho por conta própria, também chamado de bico quando o pessoa não atua como microempreendedor individual (MEI) formalizado.
Ao término do 2º trimestre, o Brasil ainda tinha menos 6,7 milhões de pessoas com algum trabalho na comparação com o período pré-Covid – eram 94,5 milhões trabalhando em dezembro de 2019 e são 87,8 milhões agora.
O estudo do IDados mostra também que o setor de serviços tradicionais, que inclui os restaurantes, o setor de lazer e os serviços doméstico atividades – além de ter sido o mais afetado pela pandemia – é o que possui uma das menores rendas médias, perdendo só para a agricultura.
De acordo com os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia, o salário médio de admissão em julho no país foi de R$ 1.802, o que corresponde a uma redução real de -R$ 22,72 na comparação com junho.
O IDados projeta que a taxa de desemprego deverá se manter acima de 12% até o final de 2022, podendo ficar acima de 13% dependendo do agravamento da crise hídrica e da piora das expectativas para o PIB (Produto Interno Bruto), inflação e taxa de juros.
Ganhando pouco e trabalhando menos horas do que gostaria
O número de trabalhadores que trabalham menos horas do que poderiam trabalhar também atingiu recorde de 7,5 milhões no final de junho, o que também contribui para pressionar a renda.
Estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou forte queda nas horas efetivamente trabalhadas que alcançaram apenas 78% das horas habituais, o que representa uma jornada semanal média efetiva de 30,7 horas.
Renda corroída pela inflação
Com a disparada da inflação, que atingiu atingiu 9,68% no acumulado em 12 meses, até mesmo a renda daqueles que estão empregados e que tiveram algum reajuste salarial tem caído em termos reais.
Segundo o boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), 50,5% dos acordos e convenções coletivas realizadas no país entre janeiro e agosto resultaram em reajustes abaixo do o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até a data-base. A pesquisa mostra que apenas 22,1% das negociações resultaram em ganhos reais e que 27,3% dos reajustes empataram com o INPC.
Em agosto, o reajuste mediano ficou 1,4 pontos percentuais abaixo do INPC e apenas 9,5% das negociações resultaram em ganhos reais.
A inflação projetada para as próximas datas base tende a se manter perto dos 10%, comprimindo o espaço para ganhos reais.
A renda média mais baixa também significa menos dinheiro circulando na economia e um menor consumo das famílias, componente fundamental para a retomada da economia.
Segundo o IBGE, a massa mensal de rendimentos do trabalho somou R$ 215,5 bilhões em junho, se mantendo 1,7% abaixo (menos R$ 3,8 bilhões) do patamar de junho de 2020.
Ao final do 2º trimestre, 28,5% dos domicílio brasileiros sobreviviam sem nenhuma renda de trabalho, contra uma taxa de 25% no pré-pandemia, segundo o Ipea, evidenciado a recuperação lenta da ocupação e da economia.
Fonte: G1