REPARE… –
“Olha essa saudade que maltrata o meu peito
É ilusão e por ser ilusão
É mais difícil de apagar
Ela vai me consumindo lentamente
Ela brinca com meu peito
E leva sempre a melhor… “
(Contrato de separação – Dominguinhos)
Lembro dos primeiros dias, dos dias que as pernas tremiam ao te ver, do coração disparar quando ao longe ouvia o som da tua voz. Eram dias mágicos, dias cheios de vida, sonhos e realizações. Éramos uma só alma, ainda que nem soubéssemos que éramos uma só carne, um só desejo.
Éramos, sem ao menos saber que nunca seríamos.
Hoje é carnaval, novamente é carnaval. Ah, lembrar que tudo começou aqui. Lembrar que tudo findou aqui. Mas, lembrar também, que não havia razão para ser ou acontecer. Éramos uma só alma. Os esconderijos não nos seriam próprios, pois, o que mais nos enobrecia eram as verdades rasgadas, estranguladas pelos sons que nem precisávamos emitir.
Repare… não há o que questionar ou discordar. Éramos uma só alma, um só ser….. Errantes. Seres inteiros e cheios de pedaços soltos, querendo unir-se aos pedaços discrepantes. Acho que adormecemos. Calamos nossas vozes e nos perdemos nas madrugadas, naquelas em que sempre nos amávamos, ouvindo os sons dos pássaros que cantavam as cantigas dos novos alvoreceres.
Por um minuto eu pensei ter tido um sonho, daqueles em que se acorda, dando-se conta que tudo não passou de uma breve ilusão, com o alívio de que esses sonhos não serão reais. Ainda bem que, dentre todas aquelas ilusões, haviam instantes em que nos revestíamos de uma aurora pronta para não ser noite. Vivemos todos os dias como únicos, com a certeza que nos daríamos o amor em todas as auroras.
Foram frações de um tempo que não podem ser apagados! Frações que mudaram para sempre a vida de almas uníssonas! Frações que duraram a vida que nos completou e nos tornou seres distintos e completos. Amantes vorazes, completos e efêmeros, dentro de uma perpetuidade que nos une para todos os dias que se seguem para sempre. Sempre no sentido de que o eterno estará conectado àquilo que nos enche de felicidade e completude do que nos foi caro.
Como somos, como sermos, como seremos continuamente, sem nos deixar um só instante, mesmo que se acabem os segredos, as vivências, ainda que se acabem os abraços que só você sabe nos enlaçar? Ainda que nossos corpos se sintam colados, mesmo que distantes…
Se não há remédio, deixa como está. Não podemos reparar… ou podemos? Poderíamos apagar? Só sei que, sem você, está me faltando um pedaço. Pedaço de uma metade inteira e completa. Calor que não se arranca do peito, que ferve e que entala o gosto daquilo que aprendemos a saborear como pedaço que nos inteira, nos complementa. Você é o que tenho de mais real nesses últimos anos de ilusões.
Sim, eu soube (sei) te amar… do meu jeito!
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro “As esquinas da minha existência”, [email protected]