RESSIGNIFICANDO –
Demorei um pouco a aprender a ler. Foi o último grande feito de minha avó materna, vovó Malbita. Na verdade, ela pensou que havia me ensinado, mas repetiu tantas vezes um texto intitulado “o papagaio Zico”, que acabei decorando-o e, assim, ganhando elogios de minha professora da alfabetização por achar minha leitura sensacional.
Ela estava errada! Minha leitura era truncada e impaciente, como de muitas crianças de seis anos de idade – na época que podíamos ser crianças e não tínhamos aulas de música, equitação, cinema, jardinagem, meditação, organização funcional e todas as necessidades que hoje preenchem as agendas infantis.
Então, ao chegar na primeira série do primário, mamãe precisou me pressionar a acompanhar a turma e, em tempo recorde, alfabetizou-me através da leitura de gibis das turmas da Luluzinha, da Mônica e tio Patinhas. Foi o suficiente para me apaixonar pelas letras. E pelo ponto de exclamação!
Cresci lendo Monteiro Lobato e tudo o que caísse em minhas mãos. Sempre – sempre mesmo! – aprendo uma palavra nova ou uma forma diferente de usar um verbo ou um advérbio.
Entretanto, eu achava que alguns significados seriam “básicos”, sem grandes novidades. As palavras não mudariam como a brisa do mar ou as verdades científicas, as quais não são absolutas, como temos visto de perto nestes últimos meses.
As palavras para mim tinham isso: absolutismo. Elas eram e pronto. Posso aprender a usá-las assim ou daquele jeito, mas são elas, nuas, cruas. Até que… Ressignifiquei!
Eu estava perfeitamente habituada a palavras ofertadas por línguas diferentes. Check out, feedback e outras mais fazem parte de nosso cotidiano. Porém, alguns prefixos foram adicionados aos verbos nossos tão queridos e nos fizeram dar um nó nos pensamentos.
Como a adição de um pequenino prefixo fez toda a sociedade refletir sobre a vida?
RESSIGNIFICAR!
Tudo hoje gira em torno do ressignificado. Então, na onda da vez, ressignifiquei minha ideia de felicidade, de solidão, de lar, de amigos, de fé, de silêncio, de necessidades e prioridades. Tudo isso – e um pouco mais – em alguns meses tomou proporções bem diferentes das que eu tinha como verdade e percebi que, assim como a ciência, um sopro de vento mais forte faz-nos REpensar e perceber que precisamos mudar.
Foi a tal da ressignificação que me deu isso e agradeci a Deus por essa oportunidade…
Lembrei do verbo partilhar. Hoje, COMpartilhamos textos, imagens, músicas, enfim, inúmeras coisas, são COMpartilhadas através de um simples tocar de tela nas redes sociais de nossos smartphones, porém não “partilhamos” nossas vidas, dores, medos, anseios, sonhos e esperanças na mesma velocidade e franqueza…
Os prefixos que aprendi a usar graças às minhas “tias” da escola hoje se mostram ferozes, furiosos com a mansidão e o marasmo que eu levava a vida e… REestruturaram não só meu vocabulário, mas, principalmente, meu agir.
Que outro verbo será prefixado e me fará refletir sobre a vida?
Não sei se o aguardo ansiosa ou assustadoramente… Sem REtrocessos, espero, e com grande porção de REinícios…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, Professora universitária e Escritora
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