Embora ainda em fase de testes, o estudo de um medicamento para tratamento de obesidade tem se mostrado promissor: chamado retatrutida, ele é capaz de reduzir em um quarto o peso do paciente. Na visão de especialistas ouvidos pelo g1, o remédio tem potencial de ser uma alternativa para a cirurgia bariátrica.
O medicamento é muito parecido com três hormônios do nosso corpo que atuam para inibir o apetite. Aplicado por meio de uma caneta injetável, ele pode vir a se somar a outras que já estão no mercado. (Leia mais abaixo.)
O estudo do laboratório farmacêutico Eli Lilly observou um grupo de mais de 300 pessoas que usaram a substância por um ano. Quem tomou 12 mg, a maior dosagem, perdeu 24% do peso.
Os especialistas apontam que essa é a primeira vez que um medicamento hormonal como esse se aproxima da perda de peso da bariátrica, cirurgia que na qual o paciente chega a perder 30% do peso.
A pesquisa ainda passará por uma nova fase, com previsão de conclusão em 2026.
A provável chegada de mais um competidor mexe com um mercado bilionário. Na última semana de agosto, a farmacêutica Novo Nordisk, fabricante do Wegovy, Saxenda e Ozempic, destronou a francesa LVMH como a companhia listada em bolsa mais valiosa da Europa.
Como funciona a retatrutida?
A retatrutida é mais um recurso para tratar a obesidade e a diabetes, semelhante à semaglutida, a molécula mais famosa no tratamento da obesidade.
A semaglutida imita o hormônio GLP-1, que influencia nossa sensação de saciedade.
A retatrutida, no entanto, simula três hormônios:
- GLP-1: responsável pela sensação de saciedade;
- GIP: que melhora a secreção de insulina após uma refeição;
- GCG: que aumenta o nível de glicose no sangue.
Como a retatrutida age no organismo?
O GLP-1 é um hormônio secretado, principalmente, pelas células do intestino. Ele age no cérebro estimulando a diminuição do apetite. No entanto, uma enzima produzida pelo nosso organismo (a DPP4) faz com que o efeito desse hormônio passe rápido.
É aí que entra a ação do medicamento: as moléculas que simulam o GLP-1 são resistentes à enzima. Enquanto isso, os hormônios GIP e GCG interferem na insulina.
Foi essa combinação que, segundo os especialistas, fez com que a perda de peso fosse maior que os medicamentos que já estão no mercado, além de controlar a diabetes tipo 2.
Retatrutida pode mesmo substituir a bariátrica?
A bariátrica é uma das medidas de tratamento contra a obesidade. A cirurgia muda a forma original do estômago e reduz a capacidade de receber alimento.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), foram feitas mais de 70 mil cirurgias em 2022 nas redes pública e privada.
O que os especialistas dizem é que, se a retatrutida mantiver nos estudos finais a mesma perda de peso, pode ser uma alternativa à cirurgia.
“A gente só tem uma perda tão grande com a bariátrica. Com o tratamento clínico, até hoje a gente não tinha tido esse resultado. Essa substância pode, sim, ser uma opção“, explica Simone Lee, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
A médica endocrinologista e metabolista Isis Toledo, que participou do congresso da American Diabetes Association (ADA) em San Diego, nos Estados Unidos, quando a Eli Lilly apresentou os estudos sobre a retatrutida, também vê essa possibilidade.
Apesar disso, os especialistas avaliam que, para que seja uma realidade como a bariátrica, tratamento usado por milhares de pessoas por ano, é preciso analisar os efeitos no longo prazo e o preço.
Efeitos colaterais – Segundo o laboratório, na pesquisa foram identificadas as seguintes reações adversas: náuseas, diarreia, vômito, aumento da frequência cardíaca, arritmia, constipação e sensibilidade na pele.
Custo: Esse tipo de tratamento contra a obesidade precisa ser de uso constante, o que esbarra no custo.
A semaglutida, por exemplo, é vendida a cerca de R$ 1 mil cada caneta, não está disponível no SUS e precisa ser aplicada semanalmente.
No caso da retatrutida, as aplicações também terão que ser semanais.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Antonio Carlos Valezi, os resultados são promissores, mas concorda que é preciso observar o efeito a longo prazo.
“Eu diria que ainda é prematuro falar isso [que pode ser um substituto à bariática] porque é um estudo com pacientes por apenas um ano. A bariátrica tem 40 anos e hoje ainda é o método mais seguro e eficaz para manter a perda de peso no longo prazo com pacientes com obesidade”, explica.
O laboratório Eli Lilly disse que não há uma pesquisa comparativa com a bariátrica, mas que o medicamento promoveu uma perda de peso significativa aos pacientes.
“Embora a cirurgia bariátrica continue sendo uma opção de tratamento importante para alguns pacientes com obesidade, a retatrutida pode ajudar a fechar a lacuna de longa data entre os tratamentos farmacológicos e cirúrgicos para a obesidade”, disse em nota.
Perspectivas de mercado
As opções de tratamento para a obesidade estão crescendo. Atualmente, os dois medicamentos no modelo caneta que simulam hormônios mais conhecidos no mercado são:
- Liraglutida: é vendida como Victoza e como Saxenda. Nos dois casos, é de uso diário. A diferença é que a Victoza é focada em adultos e crianças com diabetes tipo 2 e a Saxenda para adultos com obesidade, sobrepeso ou comorbidade associada.
- Semaglutida: Aplicação semanal e indicação para adultos com diabete tipo 2. É vendida como Ozempic, disponível no Brasil, e Wegovy, ainda não disponível no Brasil.
Os dois têm alto custo e são produzidos pelo mesmo laboratório, o Novo Nordisk. Em julho deste ano, o laboratório chegou a dizer que estava ajustando sua capacidade de produção por causa da demanda mundial para a semaglutida.
O que a diretora do setor de obesidade da SBEM avalia é que novas moléculas podem melhorar esse cenário no mercado.
Além da retatrutida, o laboratório Eli Lilly também tem estudado outras duas moléculas: Orforglipron e a Tirzepatida.
- Tirzepatida – atua nos receptores de dois hormônios, o GIP e o GLP-1. Os estudos mostraram que a dupla ação reduziu os níveis de açúcar no sangue e o peso. A molécula foi submetida para aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento do diabetes tipo 2.
- Orforglipron – também simula o GLP-1, mas é de uso oral. O estudo também é preliminar, mas mostrou perda de 15% do peso em nove meses. A molécula ainda depende de uma nova fase de estudo para pleitear a liberação junto aos órgãos reguladores. Ainda não há previsão de quando deve chegar ao mercado.
Fonte: G1RN