Valério Mesquita
Roberto Pereira Varela espargiu no mundo áspero da política sua aura de nobreza provincial. Passei a conhecê-lo através da opinião do meu pai, seu colega no parlamento estadual, que o definia numa frase: “Meu filho, Roberto Varela é um fidalgo”. Prefeito do Ceará-Mirim por três vezes e, deputado estadual por igual número de mandatos, chegou a ocupar o governo do estado lá pelos idos de sessenta. Ao longo da vida pública, identificou-se como político que jamais curvou a coluna aos poderosos de plantão. Sempre mostrou-se fiel às amizades e as inimizades também. Do signo de escorpião, testemunhei em muitas de suas lutas, o exercício da coragem pessoal no chão sagrado de sua Ceará-Mirim. Roberto foi um telúrico que conduzia permanentemente nos olhos, para onde ía, os verdes canaviais de sua terra.
Certo domingo, perdido no tempo, marchamos em passeata a Nascença, propriedade rural que pertenceu aos seus antepassados. Woden Madruga, Diógenes da Cunha Lima, Cláudio Emerenciano, Nídia Mesquita, Toninho Magalhães e eu, por oito horas, fomos hóspedes do paraíso. O verde e a quietude do vale, o rio Azul sempre renascendo ali perto, às nossas vistas, a casa centenária e hospitaleira, a galeria histórica dos ancestrais desde o barão do Ceará-Mirim, o velho engenho e as carruagens imperiais, tudo, enfim, exprimia ressurreição de antigos ambientes. Roberto me impressionava como colecionador aplicado porque sabia que era, também, personagem da história do seu município. Os móveis antiqüíssimos da casa e a biblioteca altaneira encontram no seu habitante o carinho diuturno do cuidado pela preservação. Extasiado com o que vi, exclamei que a visão demiúrgica de tudo aquilo beatificava qualquer pecador solerte.
Roberto, sempre se constituiu no capataz dos mistérios circundantes da política de sua urbe. Conhecia melhor do que todos os mistérios das rosas e os espinhos do povo. Do alto da experiência comprovada foi um homem que sonhou, que vibrou com o dia a dia da política sem esmorecer. E com tal conduta retilínea legou aos filhos lições construtivas de vida.
O Casarão Antunes, Nascença, o Guaporé, a igreja matriz, o velho mercado público, os sobradões antigos, constituem para mim motivos de encantamento porque representam o fausto e a cultura de uma época, na qual revejo Roberto Varela como cultor e expressão fidedigna, tanto do ponto de vista político, como social e econômico. Antes de partir, soube enfrentar com altivez as vicissitudes do tempo, as transformações da vida com a bravura indômita do homem educado que não sucumbiu as naturais perdas e danos. Ao revisitar sua terra natal lembrei-me de Nilo Pereira, outro ceará-mirinense apaixonado que comparava a beleza do vale à das manhãs da criação do mundo. Naquela tarde de um setembro perdido no areal da vida, com Ana, Roberto e filhos, tivemos um dia perfeito, sem pressa nem preocupações. Tudo fácil e farto como nos bons tempos do saudoso casal senador Luis Lopes e dona Antonieta Pereira Varela. Revivê-lo aqui, tem o condão de restituí-lo.
Valério Mesquita – Escritor – [email protected]