ROSINHA DOS LIMÕES –
Era eu, um jovem estudante de engenharia, cursava o segundo ano, estava hospedado na República do Banco do Brasil, habitada por jovens funcionários d’aquele banco na cidade de Caicó. Mês de julho de 1966, época da festa de Santana, a cidade toda era uma alegria só. Nessa época não existe pobre nem rico, o povo todo vai à rua para os festejos, religioso e social, talvez o maior evento religioso do nosso Estado. A cidade toda em festa, a parte religiosa muito forte, os clubes da cidade funcionando de dia e noite, para coroar, um desfile de mulheres bonitas. Em uma tarde noite, céu acinzentado e de um amarelo avermelhado, via-se parte do por do sol pelas margens do Rio Seridó, alguns pássaros em revoada molduravam o cenário na Praça da Liberdade, que a República ficava em frente.
Resolvi ir à praça, comer um cachorro quente que era bem concorrido e famoso na cidade. De repente o destino resolveu mudar meu azimute. Olhando para o outro lado da praça, vi uma bela jovem, faceira e rindo como se o mundo fosse só seu. Na verdade vinha acompanhada de um amigo e de meus olhos. Logo que a vi, comecei a cantar baixinho; “Quando ela passa franzina e cheia de graça/Há sempre um ar de chalaça, no seu olhar feiticeiro/Lá vai catita, cada dia mais bonita/E o seu vestido, de chita, tem sempre um ar domingueiro.” (A musica e letra é portuguesa e a palavra catita significa pessoa elegante ou vestida com esmero)
Ela passou e apenas riu. Um corpo magro (não muito) de um metro e setenta de altura sustentava aquele belo rosto que passeava faceira pela praça. Tentei me aproximar do casal, mas fui logo “jogado para escanteio” pelo colega de faculdade, que de mãos dadas com ela, passeavam pela praça.
Sai desolado em busca da República, no caminho ainda cantei para mim mesmo; “Passa ligeira, alegre namoradeira/E a sorrir, pra rua inteira, vai semeando ilusões/Quando ela passa, vai vender limões à praça,/E até lhe chamam por graça, a Rosinha dos limões.” Tinha perdido Rosinha, talvez jamais a visse. Tive que me conformar e voltar a tomar umas doses de uísque, o pensamento daquele rosto não sai da cabeça.
Fiquei na mureta do terraço do prédio da Republica com o olhar vazio mirado na praça. Viajava para Natal no dia seguinte e certamente jamais voltaria a me encontrar com a Rosinha dos Limões. Lembrei-me do último verso da música; ”Quando ela passa, apregoando os limões,/A sós, com os meus botões, no vão da minha janela/Fico pensando, que qualquer dia, por graça,/Vou comprar limões na praça e depois, caso com ela.” Na verdade os meus pensamentos estavam na praça, àquelas imagens ficaram tão guardadas dentro mim, que lamento muito não ter habilidades artísticas para pintura, senão pintaria o quadro mais belo da minha vida. Os anos se passaram, mas em nada mudou os meus sentimentos.
Há poucos dias estava me recuperando de uma enfermidade um pouco grave em um dos hospitais da nossa cidade. As noites geralmente mal dormidas, com entrada e saída de médicos, enfermeiras e auxiliares, os braços todos furados pela necessidade de exames ou medicações, uma meia luz ou quase penumbra completava a cena no meu leito. Estava meio sonolento, quando abro os olhos, vejo ao meu lado uma senhora segurando e acariciando uma das minhas mãos. A luz estava baixa, mas aquele rosto que vi na praça estava lá ao meu lado, trazia consigo o peso dos anos passados, mas ainda conserva alguns traços d’aquela beleza. Fitei aquela imagem e perguntei no silêncio da madrugada – Você casa comigo? Ela olhou para mim, sorriu timidamente e respondeu – Amor estamos casados há quarenta e cinco anos.
Guga Coelho Leal – Engenheiro e escritor, membro do IHGRN